Dois filmes em cartaz no Rio mostram diferentes caminhos como o documentário pode apreender e veicular a poesia. (o vento lá fora), de Marcio Debellian, trata a poesia com literalidade ao registrar as leituras de Fernando Pessoa e seus heterônimos pela professora Cleonice Berardinelli e a cantora-cultora Maria Bethania. Sopro, de Marcos Pimentel, procura uma poética audiovisual do cotidiano ao filmar moradores de um vilarejo isolado no interior de Minas Gerais.
São tão díspares quanto dois filmes podem ser. Um se baseia estritamente nas palavras. Na verdade, (o vento lá fora) é sobre dizer bem as palavras: como acessar as curvas de sentido e as sutilezas sem fim do poeta português, como entender e fazer entender em profundidade o poema. Não há nada além das palavras e de uma imagem clara e simples das leitoras, em preto e branco. A imagem não deve distrair do poema e, quase sempre, nem mesmo provoca a formação de imagens mentais, já que a poesia de Pessoa é mais que tudo abstrata, não imagética. Basta que as figuras em cena estejam em foco e bem iluminadas, e que a câmera dê conta das pequenas inflexões faciais que acompanham a paisagem oral. O resto é uma viagem pelo puro pensamento.
Sopro, por sua vez, abdica completamente do verbal – não somente porque esta tem sido a opção de Marcos Pimentel nos seus últimos curtas e médias, mas porque a ausência da palavra informa muito sobre a forma de vida que ele está interessado em plasmar na tela. Os velhos e crianças de Mogol (MG) vivem na introspecção – um pouco, diria, como a consciência poética de Pessoa. Parecem constantemente ensimesmados, ou pelo menos foi essa a dimensão do seu dia-a-dia que o diretor quis retratar. As imagens, então, têm um peso descritivo fundamental. Na belíssima fotografia de Matheus Rocha, as pessoas são vistas num misto quase indiscernível de flagrante e pose. Gente e animais estão absortos nos microfenômenos do trabalho e do tempo que passa: a mulher que pita seu cigarro, a fumaça da cozinha que sai por entre as telhas, as galinhas que sobem uma escada, o menino que treme de frio ou se deixa enterrar até o pescoço pelos amiguinhos.
Marcos Pimentel não quer narrar nem explicar nada. No máximo, fiapos de continuidade se esgueiram entre as cenas soltas: um casal muito idoso parece esperar a morte, uma vaca dá à luz um bezerro, um porco é abatido e defumado, uma oferenda segue a correnteza de um rio. O filme tem a estrutura de um poema, com “frases” em aproximação livre e alguns refrões eventuais. (Leia entrevista do diretor a Ariane Mondo).
A vida é aquilo que se dá entre o nascimento e a morte, entre o tudo e o nada. Sopro tenta apreender em imagens a metafísica que Pessoa exprimiu em palavras. Nenhuma relação, é claro, entre os dois filmes, mas somente aquela que se pode inferir de vê-los perto um do outro. Em (o vento lá fora), testemunhamos o sopro da inspiração do poeta animando o espírito das duas leitoras, fazendo-as vibrar e gozar cada frase. Em Sopro, vemos o vento lá fora açoitar cortinas, levantar poeira e botar árvores imensas para dançar.
Mas deixemos o próprio Pessoa concluir esta conversa que já vai ficando maluca demais:
“Sopra o vento, sopra o vento,
Sopra alto o vento lá fora;
Mas também meu pensamento
Tem um vento que o devora.
Há uma íntima intenção
Que tumultua em meu ser
E faz do meu coração
O que um vento quer varrer;
Não sei se há ramos deitados
Abaixo no temporal,
Se pés do chão levantados
Num sopro onde tudo é igual.
Dos ramos que ali caíram
Sei só que há mágoas e dores
Destinadas a não ser
Mais que um desfolhar de flores.”
Bah, cara! Do jeito que você comenta (critica), quero assistir tudo!
Abração,
______________________________________ Ana Rowe – (51) 8104-0001 (Vivo) / 3062-7022
Pois assista, Aninha. Beijos
Crítica? Entre /olhares poéticos , tudo é poesia. E bonito de se ler, Carlos Alberto de Mattos.
È bonito ser lido por você, Val. Beijos