Julio Bressane sempre se dá a liberdade que quer ao fazer um filme. BEDUÍNO não é diferente. Mas nem sempre ele deixa pistas suficientes para o espectador saber aonde leva essa liberdade toda. Com BEDUÍNO é diferente. Em pouco tempo entramos no código desse casal entregue a fantasias de representação sobre o sexo, o sacrifício e a morte. Logo percebemos que o filme será um conjunto de tableaux teatralizados, com tênue relação entre si, mas unificados por uma lúdica relação entre Beduíno (Fernando Eiras) e Surm (Alessandra Negrini).
Os contatos sexuais são encenados por metáforas, como a ejaculação no rosto, a bolinação no metrô e o trenzinho de brinquedo em torno do corpo nu de Surm. Cenas de antigas filmagens de Bressane criam um discurso paralelo, onírico, que dialoga com as performances do casal. “Memórias de um Estrangulador de Louras” (1971), principalmente, retorna para reafirmar sua dimensão erótica dentro do jogo de cena de Beduíno e Surm.
Ela afetada, ele blasê, soam divertidos e saudavelmente distanciados de qualquer postura naturalista. Alessandra confirma ser a atriz bressaniana por excelência, numa personagem que encarna os trocadilhos habituais do cineasta. Em BEDUÍNO ela aparece “com a corda no pescoço” e “puta da vida”, entre outras situações potencialmente proverbiais. O tom de paródia constante afasta a impressão de pedantismo que afeta outros filmes do diretor.
É bem verdade que os vínculos de significação entre diálogos referenciais, ações físicas e intervenções de materiais externos parecem às vezes bastante obscuros. Mas o esmero estético de cada sequência pode sustentar o interesse de quem se ligar nesse aspecto. Há muito Bressane não dedicava tanta atenção à luz como elemento cenográfico, à construção de tomadas tão requintadas e a um desenho sonoro tão eficientemente intrusivo.
Em sua livre associação de ideias sobre a mise-en-scène do casal, BEDUÍNO alcança uma insólita e poética coerência.