Cenas de um casamento baiano

Há 17 anos a baiana Monica Simões abriu uma janela sobre a história privada de Salvador no média-metragem Uma Cidade, composto somente de filmes domésticos dos anos 1920 aos 70. Uma das famílias que muito filmaram seu cotidiano estava a dela própria, agora protagonista de seu primeiro longa, UM CASAMENTO. Nesse novo filme, o found footage disputa o estrelato com a mãe de Monica, a atriz e jornalista Maria da Conceição Moniz, 80 anos. Instigada pela filha, Maria se confronta com filmes e fotos do período em que viveu com o primeiro marido, o professor de Filosofia Ruy Simões, pai da diretora.

As imagens alta e lindamente deterioradas do filme do casamento se prestam a uma metáfora sobre união fadada ao fracasso. Não sem algum esforço para vencer a camada de recato da mãe, Monica consegue delinear a história de um atípico casal da elite baiana dos anos 1950. Maria não disfarça sua rejeição, desde sempre, ao projeto burguês de um casamento que anularia suas pretensões de liberdade, diversidade e fazer artístico. O filme não cita que ela foi musa do Tropicalismo na Bahia, mas inclui a cena do longa “O Caipora” (Oscar Santana, 1964) que traz Maria no que é considerado o primeiro beijo romântico do cinema baiano. O casamento, àquela altura, já era página virada.

Diante de filmes e fotos, mãe e filha recordam-se de episódios do passado e testam sua cumplicidade tendo a câmera como intermediária. Nem sempre as entrevistas parecem atingir a profundidade pretendida. Maria muitas vezes apenas confirma o que lhe é perguntado ou resiste a detalhar o que, imaginamos, Monica já sabe e gostaria de ouvir. Em outros momentos, a filha dirige a mãe, um pouco como João Moreira Salles dirigia seu mordomo em “Santiago”. A situação de filmagem é delicadamente exposta como conversa, com seus sucessos e limitações.

Preocupada em contrabalançar a imagem que a mãe faz do marido machista, Monica agrega lembranças de um pai atencioso e bom. UM CASAMENTO acaba se aproximando de um psicodrama familiar que deve ser lido também nas frestas entre o dito e o ocultado, o amor e o ressentimento. Como no velho filme do casório, somos levados a enxergar entre os vestígios de imagem que ainda perduram e os estragos do tempo sobre a película.

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