Sobre o documentário OLHANDO PARA AS ESTRELAS e a ficção INVISÍVEL
Existem muitas instituições pelo mundo que ensinam cegos a dançar, mas, ao que parece, é em São Paulo que fica a única escola de dança dedicada exclusivamente a deficientes visuais. A Companhia Ballet de Cegos Fernanda Bianchini é uma ONG que atua há mais de 20 anos instruindo crianças, jovens e adultos apenas pelo toque corporal e as orientações faladas. Um trabalho árduo e comovente, como se vê no documentário OLHANDO PARA AS ESTRELAS.
Dirigido e montado pelo publicitário Alexandre Peralta, o filme escapa da abordagem institucional por concentrar o foco não apenas no trabalho da escola, mas também – e principalmente – no perfil de duas bailarinas cheias de personalidade, que perderam a visão ainda na infância. A pernambucana Geysa Pereira é a elegante e carismática primeira bailarina da companhia. Empenhada em levar uma vida plena, ela está em vias de se casar e ter seu primeiro filho. A adolescente Thalia Macedo, portadora de olhos artificiais, exala alto astral e ao mesmo tempo sofre por se sentir isolada entre os colegas do ensino fundamental.
Mesmo sem fugir muito ao padrão de documentários edificantes sobre jovens em processo de superação, OLHANDO PARA AS ESTRELAS possui uma centelha de calor humano que falta em muitos projetos semelhantes. Enquanto acompanha com delicadeza momentos vitais para as duas personagens centrais e o processo de criação e apresentação de duas novas coreografias, Peralta nos faz testemunhar a relação carinhosa entre alunas e instrutores, assim como a importância da dança na formação de uma comunidade e na afirmação das individualidades de Geysa e Thalia. O resultado é competente e emocionante.
Ely, a protagonista de INVISÍVEL, é uma jovem argentina de 17 anos com plena disposição para as aventuras sexuais. Mas só para isso. No resto, ela é uma apatia só: um zero à esquerda na escola, empregada indolente numa pet shop, letárgica em casa onde a mãe passa por uma depressão. Enfim, uma invísivel. Uma relação sem amor mantida com o filho do patrão, um homem casado, resulta em gravidez precoce e indesejada. Ely precisa tomar uma decisão quanto ao aborto.
Como se vê, essa coprodução de Argentina, Uruguai e Brasil se ocupa de temas bastante corriqueiros na cena do cinema independente. A abordagem não sinaliza maior originalidade, uma vez que se resume a acompanhar o dilema silencioso da menina e suas parcas relações com três personagens. O estilo se avizinha do praticado pelos Irmãos Dardenne, com uma câmera que segue obstinadamente a protagonista, mas evita penetrar na intimidade dos seus pensamentos. Pablo Giorgelli, contudo, se mantém excessivamente distante, com um tratamento seco e desdramatizado, que só acumula tensão nos momentos finais, quando Ely atinge o limite de sua indecisão.
Assim, o filme resulta quase tão apático quanto a personagem. Só não é mais frio porque a direção do elenco, apesar de discreta, é muito eficiente. A atriz Mora Arenillas nos conecta com firmeza à aflita introspecção de Ely.
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