Ouvir estrelas

Filmes sobre o próprio cinema constituem um gênero em si, que atravessa a ficção e o documentário. Muitos deles não passam de ruminações em torno de obviedades sobre o fascínio e a linguagem do cinema. Walter Carvalho driblou esse risco com a inteligência que vem caracterizando seus trabalhos de diretor. UM FILME DE CINEMA é simples em sua proposta: grandes cineastas falando de cinema, filmados em cenários ou em estilos que se refiram a seus filmes, e cenas de obras que ilustrem as questões abordadas. É sofisticado, porém, na pauta colocada diante dos entrevistados e na maneira como as ideias evoluem na arquitetura do documentário.

Béla Tarr (foto acima), por exemplo, aparece em película preto e branco a bordo de sua velha e ainda ativa moviola, enquanto Ken Loach é visitado no recesso de um pub britânico. Karim Aïnouz está no meio de uma locação de O Céu de Suely, Ruy Guerra conversa em uma de O Veneno da Madrugada e Hector Babenco numa de Carandiru. O super elenco inclui ainda Jia Zhang-ke, Andrzej Wajda, Ashgar Farhadi, Gus Van Sant, Julio Bressane, Lucrécia Martel, José Padilha e Ariano Suassuna. Eles foram entrevistados em situações diversas desde 2002.

Walter lhes endereçou perguntas específicas sobre a obra de cada um e outras gerais sobre a fenomenologia do cinema; maneiras de tratar o tempo, o ritmo e o som; autoria e relações com a tecnologia e o mercado. Algumas indagações suscitaram respostas diversificadas, às vezes antípodas, como a clássica “Por que você faz cinema? ou “Você faz os filmes ou são os filmes que fazem você?”. Outras serviam para dividir os entrevistados entre os mais “filosóficos” e os adeptos da “simplicidade”. No final da sessão a que assisti, ouvi várias pessoas mencionarem a expressão “aula de cinema”, mas é preciso enfatizar que nada ali se aparenta com uma aula. São reflexões pessoais, não didáticas, com frequência brilhantes, que resultam numa espécie de conversa coletiva a que assistimos com imenso prazer.

A paixão pelo cinema, que para a maioria de nós começa na infância, é representada ao longo do filme pelo deslumbramento do menino de Cinema Paradiso. Walter incorre num pequeno desequilíbrio na harmoniosa estrutura quando faz uma incursão à cidadezinha italiana onde Tornatore rodou seu clássico e encontra não só o ex-menino Salvatore Cascio como alguns coadjuvantes. Esse curta-dentro-do-filme se alonga além do conveniente, não se afirma como olhar pessoal e parece sobremesa doce demais para uma refeição de gourmet.

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