A mamãe, a babá e a suicida

Pílulas sobre os filmes TULLY e RÉQUIEM PARA SENHORA J.

A roteirista Diablo Cody, que escreveu “Juno”, tem um talento especial para imaginar histórias que partem do cotidiano banal para ganhar altitudes inesperadas. Suas personagens femininas são ricas de complexidade, embora pareçam comuns à primeira vista. Assim é TULLY, comédia dramática centrada numa mulher que trocou as audácias da juventude por uma vida domesticada com marido e dois filhos. Quando vem o terceiro, ela chega a um limite e decide contratar uma babá noturna.

Até aí, estamos diante de uma crônica familiar bastante convencional, com Charlize Theron transfigurada numa mãe cansada e fisicamente dilapidada. A entrada em cena da babá (Mackenzie Davis), um anjo caído do céu para resolver todos os seus problemas, leva o filme a um patamar superior. Os diálogos doces e ao mesmo tempo ferinos criam uma atmosfera mista de desconfiança e cumplicidade. À medida que passam os dias e as noites, mamãe Marlo parece recuperar o viço e a energia de outrora. Afinal, ela encontra em Tully um simulacro do que ela própria era quando jovem.

A inteligência do filme, dirigido com discreta eficiência por Jason Reitman, é levar esse convívio das duas mulheres a um rumo surpreendente, mais identificado com a psicologia do que com a relação patroa-empregada. TULLY acaba nos cativando pela forma engenhosa com que trata do resgate daquilo que deixamos para trás e pode nos salvar dos horrores do presente.



Para a Sra. J. bastam uma cerveja, um cigarro, um palito de fósforo e uma bala de revólver para dar cabo de sua vida. Deprimida pela morte do marido há um ano, pelo desemprego e pelo desprezo das duas filhas, ela está pronta para se suicidar em quatro dias. RÉQUIEM PARA SENHORA J. narra esse período em que a pobre mulher toma as últimas providências burocráticas antes de partir. Ela quer deixar pronta a lápide do túmulo do casal, revalidar seu cartão de saúde e certificar-se do seguro de vida que deixará para as filhas.

Esse filme sérvio foi recebido há dois anos como uma comédia dark kafkiana, mas é bom saber que o ingrediente cômico passa bem longe. O que predomina é um drama quase tão prostrado quanto sua protagonista. A encenação dura, baseada em planos fixos que se repetem sistematicamente, e o enquadramento que oprime os personagens na parte inferior da tela são a expressão do próprio estado de espírito da Sra. J. Os cenários e locações depauperados são indícios de um país em crise, onde a privatização desenfreada levou fábricas à falência e trabalhadores ao desespero.

Enquanto caminha para um desfecho um tanto mágico – e decepcionante – o filme de Bojan Vuletic lembra um “Eu, Daniel Blake” temperado pela consternação do cinema romeno. A atriz Mirjana Karanovic (“Em Segredo/Grbavica”), grande dama do cinema sérvio, mantém-se quase sempre impassível diante da câmera, seja nos closes, seja nas tomadas distanciadas que resfriam e ressecam a narrativa. É uma aposta estilística que tanto pode sintonizar como enfastiar o espectador. Eu, por exemplo, oscilei entre os dois polos.

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