O linchamento é o ápice da barbárie. É quando a massa se sente autorizada a cometer um crime. É quando os “homens de bem” e os “pais de família” passam para o outro lado, achando que têm o direito de ser monstruosos por um momento de exceção.
O documentário A PRIMEIRA PEDRA, dirigido por Vladimir Seixas e produzido por Luís Carlos de Alencar (parceiros na produtora Couro de Rato, que já pariu o poderoso “Vozerio”) se lança a esse tema difícil, situado num extremo da condição humana. Realizado para a TV Futura, vai estrear naquele canal nesta segunda-feira, 28 de maio, às 22h30.
O média-metragem é dividido em quatro capítulos, de modo a tratar o assunto por ângulos diferentes – desde a justificativa dos linchamentos baseada na incompetência do estado para punir, e até o consumo de imagens desse tipo de violência na internet, passando pelo juízo de que “bandido bom é bandido morto”. Sobreviventes, familiares e estudiosos do tema abordam a mecânica cruel que leva um grupo a cometer crime igual ou pior do que os imputados a sua vítima.
Quatro casos célebres, três recentes e um histórico, ilustram o arrazoado, sendo que dois deles se referem a linchamentos por equívoco, duplamente trágicos, quando a vítima é confundida com um suposto criminoso. O espectador não é poupado de cenas fortes, embora reeditadas de modo a suprimir o aspecto sensacionalista.
Mesmo trabalhando num registro característico da televisão, Seixas expande o seu enfoque para fazer aflorar camadas mais ocultas dessa prática macabra. O racismo, por exemplo, é componente indissociável do linchamento. O caráter de espetáculo e a dissolução da culpa individual na catarse coletiva são partes do ritual. E a iniciativa de impedir um linchamento é prova de coragem e senso de justiça.
Levantar esses aspectos de maneira clara e incontestável faz de A PRIMEIRA PEDRA uma peça de esclarecimento e reflexão que precisa ser veiculada o mais amplamente possível. Depois de ver esse filme, certamente um linchador vai hesitar antes de desferir o primeiro golpe.
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