DULCINA no Festival de Brasília
por Paulo Lima
O nome Dulcina faz parte do cotidiano de Brasília tanto quanto seus mais renomados monumentos, pois é como os brasilienses se referem à faculdade de arte localizada na região central da capital, criada pela lendária atriz Dulcina de Moraes.
O que há por trás da mera referência, porém, é a história de um dos maiores nomes do teatro brasileiro, que agora pode ser conhecida com o documentário DULCINA, que teve sua estreia em noite concorrida no Festival do Cinema Brasileiro de Brasília.
O filme dirigido por Glória Teixeira reconstitui a saga da artista por meio de depoimentos de vários atores e atrizes que com ela contracenaram e conviveram, como Fernanda Montenegro, Nicette Bruno e Ruth de Souza, ou que dela foram alunos.
A narrativa é permeada por reconstituições das etapas de vida da personagem, interpretadas por atrizes como Françoise Forton, Carmem Moretzsohn e Bidô Galvão.
Dessa costura emerge uma personalidade exuberante que devotou a vida ao teatro e foi influência declarada de sucessivas gerações de atores, não apenas pelo talento, mas pelo que poderíamos designar com dois pp: pioneirismo e paixão. “Ela está em todos nós”, declara uma emocionada Fernanda Montenegro.
“Eu coleciono emoções”, confessava Dulcina, conforme um dos depoimentos. Cada um deles está impregnado pela energia da mulher retratada em todas as suas nuances. Dulcina de Moraes viveu para e pelo teatro. Não se dedicou apenas à representação, mas à árdua tarefa de transformar as condições de trabalho dos atores, lutando para dignificar a categoria que, graças a seus esforços, conquistou direitos básicos, como uma folga às segundas-feiras.
O longa-metragem nos envolve como um largo e longo abraço. A plateia se manifestou com risadas e aplausos, como se a própria Dulcina se materializasse no palco, o centro de sua vida, durante uma peça.
A atriz, nascida em 1908 na pequena Valença, no Rio de Janeiro, participou de apenas um filme, “24 horas de sonho”, de 1941; alguns trechos foram utilizados no documentário. Nas breves imagens vemos a figura vivaz de Dulcina em ação, como a provar que era real e não um sonho.
Seu amor incondicional ao teatro a impediu de trilhar os caminhos da recém-criada TV no Brasil, para onde se inclinaram várias atrizes de sua geração, fato que pode ter contribuído para que não tivesse se tornado um nome nacional. Sintetizava sua dedicação incondicional à arte de representar numa grandiosa fantasia: “Se todas as pessoas do mundo se dessem as mãos, faríamos uma grande ciranda”.
Em lugar do estrelato na TV, segue para Brasília, a nova meca dos sonhos, e na jovem capital funda a faculdade que hoje leva seu nome, como símbolo de sua missão de criar público para o teatro, expandir seus limites.
No novo cenário, a atriz passa a exercer também o papel de professora – muito rigorosa, segundo os depoimentos de ex-alunos -, centrada na difícil empreitada de plantar o sonho da arte e da liberdade na cidade burocrática.
DULCINA é um filme emocionante que vem à luz num momento de descaso e destruição da cultura, contra o qual opõe o exemplo de uma mulher movida por um ideal e uma coragem inexoráveis. Aplausos.
Paulo Lima