Pensando aqui com meus botões: o que levou Selton Mello a dirigir dois filmes tão diferentes como Feliz Natal e O Palhaço? Indagando aos meus botões: o que fez Feliz Natal fechar carreira com minguados 28.759 espectadores, enquanto O Palhaço vai rompendo a faixa dos 600.000 em sua segunda semana de exibição? Especulando com meus botões: o que acontece quando um artista procura afastar-se de si mesmo e quando retorna a si mesmo?
Não li nenhuma entrevista de Selton falando sobre essas questões. Estou refletindo por minha conta e tentando criar um entendimento comigo mesmo. Lembro que Selton andou questionando-se, há poucos anos, sobre a persona que estava criando no cinema e a frequência com que vinha aparecendo nas telas. Chegou a passar um tempo recluso. Quando dirigiu Feliz Natal, certamente procurou um tema e um tom que nada tivessem a ver com a imagem de garoto meio esperto, meio bobo, com que o público o identificava. Algo que ficasse a léguas de distância de Chicós, Leléus e Johnnys.
Pois bem, Feliz Natal era um antípoda disso tudo. Lúgubre, áspero, angustiado, tratava de um acerto de contas pessoal e familiar em chave de drama pesado. Em matéria de estilo, buscava uma aproximação com o cinema de arte dos anos 2000, especialmente O Pântano, de Lucrécia Martel, e Lavoura Arcaica, no qual atuou esplendidamente, mas em padrão distinto do habitual. Selton não participava do elenco, o que era uma forma explícita de afastar-se de si próprio. Almejava talvez reinventar-se como cineasta “sério” e artisticamente ambicioso. O filme agradou a muitos críticos (eu fui exceção), mas não dialogou nem com o público de Selton, nem com o do filme de arte.
Não chego a afirmar que O Palhaço seja uma correção de rumo na carreira do cineasta. Mas é evidente que o caminho do novo filme passa por paisagens radicalmente distintas. A começar pela presença do Selton ator, voltando ao tipo de personagem que inicialmente o consagrou: o meninão meio caipira, meio desengonçado e sonso, mas cheio de carisma. Depois, pelo ambiente rural ou provinciano, conivente com uma proposta de espetáculo mais popular, assim como o circo. A ideia de um grupo em dissolução (a família disfuncional) é trocada pela de sobrevivência e renovação do grupo (a família circense). A comédia básica e a amabilidade entre os personagens substituem o drama depressivo e as relações ríspidas. Veteranos astros da comédia popular tomam o lugar de um elenco “cult”. A palheta de cores é mais colorida e quente. A música varia entre o nino-rotiano e o brega brasileirinho.
O Palhaço sugere uma volta de Selton Mello a um lugar conhecido e aquecido. De alguma forma, um regresso a si mesmo – ou ao que dele se espera. Não faltam pequenas ousadias nem pequenas concessões em mais esse conto do palhaço triste. Embalado agora por uma reconciliação do diretor com o público, quem sabe Selton poderá caminhar para o que realmente quer fazer por trás das câmeras. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, quero crer que o meninão ainda vai fazer o seu grande filme muito em breve.
(Obrigado, Pedro Butcher e Filme B)
Acho que o filme é um pouco autobiográfico, sobre a crise que Selton viveu sobre sua profissão, bastante divulgada pela mídia. E acredito que sua crise deve ter passado, e ele se reconciliou com ela, pois o filme conclui, na voz do personagem de Paulo José que “devemos fazer na vida aquilo que sabemos”. Este é o recado que ele quer passar a toda a classe artística.
Bravo, Thereza! Você, por exemplo, faz documentários.
… para além do aspecto psicológico do filme, em relação à transmissão e da dívida simbólica com o pai, um palhaço tocado pela cultura da seriação: número do CPF, da Carteira de Identidade, da residência… consegue passar pelo seu olhar a dúvida (como a de Cézane?) sobre o que é ser um palhaço “pós-moderno”…(Noemi)