Não foi um chá-das-cinco a reunião final do júri da mostra competitiva do Recine 2011. Houve muito debate e algumas divergências frontais antes de chegarmos a uma lista de premiados que atendesse às distintas exigências dos componentes (Eduardo Escorel, Lúcia Murat, Mauricio Lissovsky, Vladimir Carvalho e eu). Mas, no fim das contas, essas escolhas espelham bem a diversidade de abordagens, dispositivos narrativos e modos de utilização de materiais de arquivo que encontramos no conjunto dos filmes.
MELHOR LONGA-METRAGEM – No Lixo do Canal 4, de Yanko del Pino
O filme compila de maneira criativa o acervo da TV Iguaçu, do Paraná, nos anos 1970, que por pouco não foi jogado no lixo. Exemplifica como um acervo do gênero pode ser apresentado sem linearidade ou didatismo, mas antes usando o material para compor um ensaio sobre memória e esquecimento, seleção e descarte. O turbilhão de imagens ganha uma leitura metafórica, às vezes irônica, mas sempre inteligente. Um belo roteiro, uma montagem arrojada e uma concepção sonora também interessante formaram um conjunto de qualidades que justificam o prêmio de melhor longa.
MELHOR CURTA-METRAGEM e MELHOR ROTEIRO – Formas do Afeto – Ensaio sobre Mário Pedrosa, de Nina Galanternick
Enfocando Lygia Clark em igual ou maior escala que o próprio Mário Pedrosa, este curta trabalha poeticamente velhos filmes de arte, fotos e cartas. É um filme delicado e incompleto, mas que encantou alguns jurados.
MELHOR DIREÇÃO DE LONGA – Carlos Adriano, por Santos Dumont: Pré-Cineasta?
Pensando a própria condição da “imagem encontrada” (found footage) no cinema, Carlos Adriano reuniu descoberta, reflexão, teoria, prática e tributo pessoal num filme singular, como aliás todos os seus. Leia aqui minha resenha já publicada.
MELHOR DIREÇÃO DE CURTA e MELHOR EDIÇÃO – Beth Formaggini e Joana Collier/Thaís Blank, por Angeli 24 Horas
Um curta que já se impõe nas antologias sobre artes visuais no Brasil. O trabalho do cartunista Angeli é visto pelo prisma pessoal do artista, pelo ângulo da cidade que o inspira e por uma diretora disposta a captar a essência do seu objeto. Leia aqui minha resenha.
PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI – La Febbre del Fare (A Febre do Fazer), longa de Michele Melara e Alessandro Rossi
Este concorrente italiano se destacou pelo apetite de arquivo e a forma como organiza uma história das esquerdas na cidade de Bolonha entre 1945 e 1980. O prêmio vale também como um cumprimento à Cinemateca de Bolonha, uma das mais ativas na preservação e restauração de materiais cinematográficos.
MELHOR PESQUISA – Hollywood no Cerrado, longa de Armando Bulcão e Tania Montoro – pesquisa e roteiro de Paulo Bertram, Nena Leonardi, Victor Leonardi, Thereza Negrão, Márcia Tinholim, Jairo Alves Leite
A história da “vida brasileira” das atrizes americanas Janet Gaynor, Mary Martin e Joan Lowell serve de mote para os diretores examinarem a chegada da modernidade em Goiás, o mito da Terra Prometida nos trópicos e ainda fazerem um divertido paralelo entre o Velho Oeste deles e o nosso Centro-Oeste. Um raro exemplar de doc-comédia, um tanto exagerado no uso de efeitos de edição, mas que apresenta uma pesquisa de fato impressionante.
MELHOR CONCEPÇÃO SONORA – Programa Casé, longa de Estevão Ciavatta
Numa das categorias mais discutidas no júri, o prêmio ficou para o peso do áudio no filme sobre o radialista Ademar Casé. O doc traz boas soluções nesse setor, ainda que o tema as faça parecer meramente funcionais. Aqui está minha resenha.
MELHOR CONTRIBUIÇÃO À LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA – Santoscópio = Dumontagem, curta de Carlos Adriano
Neste curta experimental, Adriano sintetiza os temas do seu longa sobre Santos Dumont usando a manipulação extensiva do pequeno filme de mutoscópio que trouxe à luz. As ideias formais do caleidoscópio, do voo, do giro e do movimento, tematizadas intelectualmente no longa, aqui ressurgem materializadas na edição do fragmento essencial. Um filme inspirador sobre o mergulho nas potencialidades estéticas e semânticas de um material de arquivo.
MENÇÃO HONROSA PELA ORIGINALIDADE – Vó Maria, curta de Tomás von der Osten
Uma única foto e três depoimentos em off tentam recompor a imagem de uma mulher do passado. A simplicidade deste curta é enganosa, pois a composição progressiva da imagem de Vó Maria contrapõe-se a um esmaecimento gradual das reminiscências humanas de três gerações a respeito dela. O efeito é intrigante e revelador quanto aos mecanismos de retenção e exposição da memória.
MELHOR FILME DA OFICINA – Coturnos e Bicicletas, da “Equipe Nelson Pereira dos Santos” (Bárbara Morais, Julia Barreto, Lívia Uchôa, Luisa Pitanga e Rodrigo Dutra)
Entre os 10 curtas produzidos pelos alunos da oficina de Luiz Carlos Lacerda, todos voltados para o lema “Dov’è l’Italia?”, este se destacou pela força do argumento e o empenho da realização. Num paralelo vertiginoso entre o neorrealismo italiano e o cinema brasileiro, a ditadura militar e a Itália de Mussolini, História e atualidade, coturnos e bicicletas se articulam numa pequena trama urbana (ficcional) cheia de ressonâncias bem calibradas. Enquanto comentário sobre o próprio tema do festival (a Itália e o cinema brasileiro), nada pareceu mais adequado e eficaz.
Grato por suas atentas observações sobre Hollywood no Cerrado. Ficamos muito contentes com a premiação concedida a nosso documentário de animação. E mais felizes ainda com o merecido prêmio concedido ao MELHOR LONGA-METRAGEM – No Lixo do Canal 4, de Yanko del Pino. Um filme pra lembrar de não esquecer de bem guardar nossas memórias ! Parabéns Yanko !
Salve, Armando, parabéns pelo seu filme. Espero ainda ter a chance de escrever mais sobre ele. Avise-me de futuras eibições.
Carlos Alberto,
Muito instrutivo ler seus comentários sobre os premiados do Recine, dá transparência e incentiva o debate. Também participei do festival com o doc “Soldados da borracha”.
Salve, Cesar. Gosto muito do “Soldados”, um dos filmes que foram muito bem considerados pelo j�ri. Parab�ns pelo pr�mio em Manaus. Abra��o.
Obrigado pelo retorno, Carlos Alberto, bom saber disso. O filme estará também na Mostra do Filme Etnográfico. Um abraço
Olá, Carlos.
Fiquei feliz com a iniciativa do júri em criar o prêmio de melhor filme da oficina, pois foi um trabalho muito gostoso e intenso, foram filmes totalmente feitos em 2 meses, alguns por pessoas sem nenhuma experiência anterior com cinema, como eu.
É gratificante ver o reconhecimento aos que estão começando.
Abraço,
Sabrina (filme “Mãos que tocam a vida”, grupo Eduardo Coutinho).
Foi muito legal mesmo terem aberto esse espaço de premiar um da oficina, tomara que essa oficina de produção em grupo fique melhor, foi a 1º vez nesse esquema.
Esse ‘Santos Dumont:Pré-cineasta’ é um filme primoroso, mereceu mesmo o melhor direção.
Abç,
Luís A. (do Vapor Savoie, grupo Pasolini)
Oi Luis, j� lhe falei do meu apre�o pelo “Vapor Savoie”. Fiquei orgulhoso pela oportunidade de premiar o filme do Adriano. Grande abra�o.
Oi Sabrina. As oficinas do Recine tm sido um momento muito especial na formao do pessoal de cinema. O filme de vocs sobre os luthiers muito interessante e sensvel. Parabns ao grupo. Abrao afetuoso, Carlos.