TSÉ

Os anos 1990 foram pródigos em documentários sobre avós. Memórias familiares e políticas se entrelaçavam a partir dos relatos de avós ou sobre avós que tinham vivido as turbulências do século XX. TSÉ é um exemplar brasileiro recente desse filão, um filme interessante e comovente.

Fábio Kow revirou o seu baú de filmes domésticos e reuniu a família para recontar a incrível história de sua avó Tsecha (ou Tsé, ou Rushkale, ou Estera), uma judia polonesa que sobreviveu ao Holocausto por um tanto de sorte e outro tanto de determinação em seguir viva. Filha de um “comunista fervido” e uma mãe religiosa, ela cresceu escapando da perseguição nazista, perdendo parentes pelo caminho e trocando de identidade para subsistir. Chegou a ser empurrada pela mãe para fora do trem que as conduzia à morte no campo de Sobibor.

Em gravações iniciadas em 2015, Tsé narrou sua história com um admirável fairplay, preferindo sempre lembrar-se dos aspectos positivos, embora sem dissimular os sofrimentos por que passou na infância e na adolescência. A vinda para o Brasil, em 1949, foi o início da estabilização.

O neto cineasta envolveu toda a família nesse relato coral, incluindo os bisnetos ainda pequenos. O formato é gracioso e enfatiza o espírito gregário das famílias judias, nas quais um rompimento pode configurar uma tragédia.

Para além desse retrato familiar, pontuado por danças de Fred Astaire para evocar o amor do casal de avós, Fábio Kow teceu uma trama cinematográfica potente com cenas de época que ilustram o período em torno da II Guerra. Sua pesquisa levantou materiais de grande força dramática em arquivos internacionais, em sua maioria desconhecidos por mim. As imagens atuais da Polônia não fariam falta, mas o lugar desse filme no acervo imaginário dos imigrantes está garantido.