A MÚSICA DO TEMPO e O FIM DA VIAGEM, O COMEÇO DE TUDO são filmes que nos transportam para outros mundos
O Antigo como novidade
Se você quiser dar uma pausa bonita no lufa-lufa do seu cotidiano, vá ver A MÚSICA DO TEMPO. Esse documentário-show dirigido por João Velho nos coloca na ótima companhia do grupo Música Antiga da UFF, que há 36 anos cultiva a música medieval e renascentista. O filme parte do concerto “Do sonho do império ao império do sonho”, dedicado à música da Idade Média ibérica, universo sonoro pouco conhecido por aqui.
São canções, “vilancicos” e “danzas” cheias de cortesia e algum humor, que tratam de querelas da corte portuguesa. O concerto evolui por temas de amor e guerra até chegar às “doutrinas” do Tambor de Minas maranhense, onde veio ecoar o mito sebastianista no Brasil. O grupo niteroiense se esmera na pesquisa desses temas e sonoridades. Sua sobrevivência ligada à UFF é quase um milagre em meio às dificuldades por que têm passado as universidade públicas.
O filme, rodado em 2017 por iniciativa do Centro de Artes da UFF, mescla o registro impecável do concerto com depoimentos e microperformances dos seus cinco integrantes, e mais flashes de making of. A simplicidade e descontração do quinteto são extremamente simpáticas, inclusive na exposição de algumas fissuras da convivência semifamiliar. Somem-se a isso o deleite das músicas e a beleza inusitada dos instrumentos para compor um programa dos mais agradáveis.
Antigas de quase cinco séculos, as obras soam novas aos nossos ouvidos seja pelas particularidades melódicas, seja pela singeleza, virtude que tem sido rara nos tempos de agora.
Uma japonesa no fim do mundo
Um filme às vezes não precisa de muita coisa para agradar. Basta uma personagem que nos arraste através de duas horas de projeção para nos darmos por satisfeitos. Foi o que aconteceu comigo ao ver O FIM DA VIAGEM, O COMEÇO DE TUDO. Com um jeito de atuar naturalíssimo, a estrelinha pop japonesa Atsuko Maeda me encantou no papel de Yoko, uma repórter de variedades da TV japonesa em viagem para gravar um programa no Uzbequistão. O sonho dela é ser cantora, e o filme vai atender a isso pela via poética.
Ingênua, assustada e inconsequente, Yoko se mete em aventuras por ruas, becos e bazares de Samarkand e Tashkent quando não está gravando abobrinhas para o programa. O diretor Kiyoshi Kurosawa sai de sua área preferida, o filme de terror, para fazer uma sátira à tendência da TV japonesa para retratar outras culturas pelo lado pitoresco e superficial. Yoko e a pequena equipe se ocupam de procurar animais e pratos exóticos, submeter-se a atrações radicais de parque de diversão e libertar um bode do cativeiro como prova de boa consciência. Os choques culturais são inevitáveis, embora passageiros.
Enquanto os japas circulam pelas cidades uzbeques em regime de improvisação documental, ganhamos uma rara visão daquele país, com direito a extensa visita ao belíssimo Teatro Navoi, uma joia construída por prisioneiros de guerra japoneses na Segunda Guerra. A impressão é de um filme inventado in loco, com episódios desprendidos em estrutura narrativa pouco sólida. Mesmo assim, acaba formando um conjunto atraente por conta da simpatia desconcertante da personagem-âncora e do carisma de sua intérprete.
Binoche em dois registros
Por falar em atriz, a onipresença de Juliette Binoche nas telas pode gerar performances sorumbáticas como em VISION, onde ela parece nem saber o que estava fazendo ali além de “chorar” com cristal japonês.
Mas pode engendrar uma atuação estupenda como em QUEM VOCÊ PENSA QUE SOU, em que ela está no seu elemento: uma mulher madura que tenta driblar o envelhecimento por meio de fantasias no mundo virtual e na literatura. Não há uma filigrana de sentimento que ela não consiga passar com sutileza, precisão e a beleza luminosa de sempre. O filme tem clichês e incongruências no roteiro, mas nada que a atriz não minimize com sua aguda humanidade.