Cavídeo lança e relança

Cavi Borges não se amofina diante da pandemia. Impedido de sair em campo para fazer filmes e organizar eventos, o produtor e realizador carioca se reinventou em dínamo da produção online. Além de dirigir com Bebeto Abrantes o filme-processo Me Cuidem-se!, já em sua quinta parte, ele apresenta a websérie Histórias da Cavídeo, lança outra, Barra Ódio/Barra Amor, e até promove festas online. Fora da internet, soma esforços e iniciativas para fornecer cestas básicas a profissionais do audiovisual que estão em necessidade.

Hoje, 4 de junho, o “Barretão do cinema independente”, como já ouvi o chamarem, está colocando na rede a terceira edição da Semana Cavídeo Online, com estreias e reestreias de filmes brasileiros. A programação é a seguinte, sempre com exibição dos filmes às 18h e debate em live no Facebook às 20h:

Dia 4 (quinta) – Setenta – documentário de Emília Silveira
Dia 5 (sexta) – Semente da Música Brasileira – doc de Patrícia Terra
Dia 6 (sábado) – Mais do que Eu Possa me Reconhecer – doc de Allan Ribeiro
Dia 7 (domingo) – Sagrada Família – ficção de Sylvio Lanna
Dia 8 (segunda) – Pazucus – A Ilha do Desarrego e o curta Bom Dia, Carlos – ficções de Gurcius Gewdner
Dia 9 (terça) – Pingo d’Água – ficção de Taciano Valério
Dia 10 (quarta) – Paraíso, Aqui Vou Eu – ficção de Cavi Borges e Walter Daguerre

Abaixo, comento dois desses filmes e conecto resenhas já publicadas sobre outros quatro. Sagrada Família, um clássico do cinema de invenção, será objeto de texto próprio nos próximos dias.

“Setenta” – Mara Curtiss Alvarenga

Setenta é um mergulho intenso de Emília Silveira na experiência de ativistas contra a ditadura que foram trocados pelo embaixador suíço sequestrado em dezembro de 1970. O título tanto evoca aquele ano, quanto o número de prisioneiros libertados. Dos 70, quinze participaram do documentário.

Eles relembram detalhes das ações de que participaram e da vida na clandestinidade. Recordam como foram presos, as torturas que sofreram e a saída para o Chile em janeiro de 1971. Ao desembarcarem na Santiago de Allende, subitamente passavam de “terroristas” a “compañeros”, num momento certamente inesquecível de suas trajetórias.

Completam o quadro considerações sobre a vida no exílio, os projetos de treinar guerrilha para voltar à luta no Brasil, a dissolução do grupo com o golpe de Pinochet e os reflexos dessa fase sobre cada um e suas respectivas famílias. Nem todos resistiram às sequelas dos maus-tratos. Dora Barcelos e Frei Tito se suicidaram na Europa, sendo lembrados com emoção pelos companheiros e pelo ex-marido de Dora, Reinaldo Guarany.

A exemplo de Hércules 56, de Silvio Da-Rin, Setenta evolui para um balanço da luta armada, resultando, como sempre, num saldo complexo e sem veredicto. Heróis ou apenas sobreviventes, alguns deles se perguntam. O depoimento comovido de Luiz Alberto Sanz, o Luizão, reitera a disposição desses brasileiros valorosos que não deixaram herdeiros políticos: “Eu fiz tudo 24 horas por dia”.

À emoção cívica de ouvir esses homens e mulheres se soma a dramaticidade dos materiais de arquivo, colhidos principalmente de três filmes: Brazil, a Report on Torture, de Haskel Wexler e Saul Landau, Não É Hora de Chorar, de Luiz Alberto Sanz e Pedro Chaskel, e Dora: Quando Chegar o Momento, de Sanz e Lars Safstron.

O link do filme será liberado hoje, 4/6, às 18h. Às 20h eu converso com Emilia Silveira e o produtor Cavi Borges no Facebook do segundo.


Semente da Música Brasileira, da saudosa Patrícia Terra, conta a história do mítico Bar Semente, na Lapa carioca, com imensa simpatia. Leia aqui.

Mais do que Eu Possa me Reconhecer registra com sensibilidade intimista o pintor e ilustrador Darel Valença Lins, 90 anos, sozinho em sua casa, ocupado com seus quadros e experiências de videoarte doméstica. Leia aqui.

Pazucus – A Ilha do Desarrego é obra singular de horror e humor escatológico que não deixa pedra de rim sobre pedra. Leia aqui.

Pingo d’Água é um filme que não aprecio, mas destaco a presença impressionante de Jean-Claude Bernardet dramatizando sua passagem definitiva para o campo da atuação. Leia aqui.

“Paraíso, Aqui Vou Eu”

Paraíso, Aqui Vou Eu deita e rola na influência de Woody Allen (citada abertamente) para contar a história de um casal de meia idade (Guilherme Piva e Solange Badin), separado já há algum tempo, que se envolve em novas aventuras amorosas com uma baita coincidência no meio. Francisco, ex-líder estudantil e editor de um pequeno jornal de bairro, tem um amigo imagínário (Álamo Facó), versão alternativa de si mesmo, que o instiga a largar tudo e virar surfista na Austrália. Sara, por sua vez, está no ponto para se desvencilhar da imagem de professora bem comportada.

São tipos próximos de grande parte do público potencial do filme, dirigido por Cavi Borges e Walter Daguerre a partir de um roteiro do segundo, criado originalmente como peça teatral. Natália Garcez, como a moderninha Penélope, faz o pólo desestabilizador, mas que, como se verá, não é tão desestabilizador assim.

O roteiro, associado à montagem de Gustavo Pizzi e Daniel Ribeiro, cria um mosaico temporal em que as peças vão se encaixando de maneira divertida. O elenco responde bem à agilidade dos diálogos e a algumas boas gags visuais. Certas referências podem soar defasadas, já que o filme é de 2011. MSN e Orkut, por exemplo. Ou a menção à “espera do Messias”, a fala mais involuntariamente infeliz, se ouvida hoje. De resto, é uma comédia simpática sobre as escolhas que precisamos fazer na vida e aquelas que a vida faz em nosso lugar.

Um comentário sobre “Cavídeo lança e relança

  1. Prezado Carlos,
    Segue uma chamada para lançamento do meu livro Cinema para Russos, Cinema para Soviéticos, lançado ao mesmo tempo do seu sobre o Coutinho…
    LIVRO E FILMES PARA OS CINÉFILOS DE QUARENTENA
    João Lanari Bo, autor de Cinema para russos, cinema para soviéticos, preparou um caminho das pedras para os cinéfilos em quarentena. Que tal dar uma pausa na série e mergulhar na história através do cinema?
    Enfrentar o confinamento contemporâneo causado pelo coronavírus pode ser uma oportunidade de revisitar clássicos do cinema disponíveis gratuitamente na internet. O que era um tesouro oculto nas cinematecas, torna-se, com a web, manancial de lazer acessível aos mortais, em dois ou três cliques, graças (mas não exclusivamente) ao Youtube – um domínio razoável de línguas estrangeiras, sobretudo inglês e espanhol, sempre ajuda, naturalmente.

    Se o leitor quiser assistir à primeira partitura de Dmítri Chostakóvitch no cinema, por exemplo, encontra no Youtube uma cópia restaurada da dupla soviética Traueberg & Kozintsev, “The New Babylon”, de 1929.

    Ainda há muito mais sobre o cinema russo/soviético na rede. Contando com legendas em inglês que almas caridosas organizaram para o resto do planeta (algumas vezes a tradução ainda está um pouco caótica, mas espectadores valentes vão até o final), temos um canal com variedade de ofertas, que se autointitula “Playlist Soviet and russian movies with eng subtitles”. São 270 títulos, gratuitos! E para quem quiser aceder a uma lista mais atualizada, e dispondo-se a pagar (mas com direito a fazer download) temos a Soviet Movies, com uma seleção caprichada, inclusive russos contemporâneos.

    Para os cinéfilos obsessivos, há que se destacar o blog Cine Soviético (http://cinesovietico.com/), feito por um espanhol que residiu em Moscou (as postagens pararam, mas o site – um conjunto de informações e links para clássicos dos anos 1910 e 1920 simplesmente inacreditáveis – continua no ar).

    abraços
    João

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