Exibição gratuita: Plataforma Looke, 10/04 às 17h00 durante 24 horas
por Paulo Lima
Anatomia de uma repressão
Em 2018, a jornalista filipina Maria Ressa foi escolhida Pessoa do Ano pela revista Time. Criadora do site independente de notícias Rappler, ela se destacou por suas críticas ferrenhas ao presidente Rodrigo Duterte, um populista que se elegeu em 2016 anunciando a luta contra as drogas, a criminalidade e a corrupção. A jornalista identificava nessas plataformas uma política de guerra contra os pobres. Graças a dois artigos que chamavam a atenção para as novas estratégias de enfraquecimento da democracia, ela entrou no radar do governo e atraiu o ódio de seus defensores, por meio de ataques virtuais e seus exércitos de trolls e bots. Seguiu-se uma onda de intimidações e acusações contra o Rappler, resultando em processos e prisões de Maria Ressa.
A luta destemida de Maria Ressa e a brava equipe de jornalistas do Rappler pela defesa da liberdade de imprensa é o tema do documentário Mil Cortes, coprodução filipino-americana dirigida por Ramona S. Diaz. O título foi retirado de uma fala da jornalista, que se referiu à situação política nas Filipinas como resultando de mil cortes no corpo da democracia, que pode sangrar até morrer. A imagem dramática traduz o autoritarismo com que Duterte tem conduzido o país, por meio da violência e de uma extensa rede de notícias falsas mantidas por blogs, constituindo o que Maria Ressa identificou como “ecossistema de informação”. Nessa configuração, cria-se uma sociedade paralela, alimentada por fake news. O filme explora esse outro lado favorável a Duterte, representado por blogs como o Mocha, mantido por uma bailarina e dançarina nomeada secretária assistente do escritório de operações de comunicação presidencial.
Duterte jamais ocultou seus objetivos. “A coisa vai ser sangrenta”, ele declarou a Maria Ressa, ainda prefeito, antes de se lançar na campanha a presidente, se oferecendo como um candidato de fora do sistema. Numa das coletivas de imprensa, já como presidente, ele manda uma mensagem ao Rappler e sua principal representante: “Só porque é jornalista, acha que não pode ser assassinada”.
É nesse cenário de perigo constante que a pequena gigante Maria Ressa se move, revelando os abusos do poder e os ataques de Duterte, que investe contra o site, tenta fechá-lo e revogar sua licença de funcionamento. Por meio do Departamento de Justiça, seu governo move vários processos contra a jornalista, levando-a duas vezes à prisão. Maria Ressa paga fiança e se mantém em liberdade. Uma dessas prisões ocorre quando ela retorna de uma viagem ao exterior. Ela cresceu nos Estados Unidos, onde tem parentes. Poderia ter permanecido no país, porém retornou às Filipinas “para registrar e contar o que aconteceu”.
O documentário transcorre em meio às eleições legislativas de 2019, das quais saem vencedores os candidatos de Duterte – incluindo seus filhos -, fortalecendo seu governo. Em 2020, Maria Ressa enfrentou mais um julgamento e foi condenada a seis anos de prisão. Em pleno esfacelamento da democracia nas Filipinas, ela resiste e se mantém firme, levantando o astral de sua equipe no Rappler, enquanto aguarda o julgamento dos recursos contra as acusações kafkianas que tentam silenciá-la.
Paulo Lima