Pílulas 28

Filme de bullying está na moda. Agora mesmo o vencedor da Palma de Cannes tem cenas fortes de bullying. Mas depois de ver A CAÇA e DEPOIS DE LÚCIA, estou quase chegando à conclusão de que não sabem fazer filme de bullying. A exagerada passividade das vítimas (no caso de A CAÇA, o professor) nem é tanto uma questão em DEPOIS DE LÚCIA, já que a menina sucumbe em função de um trauma familiar. Mas o que muito me incomodou foi a forma grosseira e generalizante de retratar os algozes, jogando no ralo as complexidades que o bullying envolve no plano coletivo. Os colegas de Alê agem como uma manada, sem qualquer nuance, sem uma palavra de dúvida ou compaixão. Isso resulta numa visão monstrificante da adolescência, ainda com um cheirinho de moralismo na conexão com álcool, sexo e drogas. Situações como as que ocorrem durante um passeio oficial da escola soam implausíveis, assim como a inoperância absoluta de todos os adultos. Por isso o final duríssimo com o pai de Alê indica que ele, sim, é o personagem principal do filme. Pelo menos, na avareza de informações do roteiro, ele é o que melhor se desenha no silêncio e na dor.  

FAROESTE CABOCLO quase chegou aonde queria: falar das contradições da Brasília dos anos 80 com uma história de sabor tarantinesco. O que tem sido mostrado como crônica geracional em ROCK BRASÍLIA e SOMOS TÃO JOVENS recebe aqui um tratamento mais rascante, herdado de CIDADE DE DEUS e assemelhado a DJANGO LIVRE. Há muito estilo no filme de René Sampaio, mas eu senti que às vezes faltava substância (temática e dramatúrgica) para esse estilo todo se assentar. A busca de uma narrativa eminentemente visual é louvável e bem-sucedida quase sempre, mas falha clamorosamente na meia-hora final, sobretudo no que diz respeito à personagem de Isis Valverde. Mimetizar um modelo consagrado na linha evolutiva (ou involutiva, se preferirem) Sergio Leone-Tarantino acaba se tornando mais importante do que dar o salto mortal que faria o modelo se render ao contexto brazuca. É bacana, mas se contenta com a imitação. 

A DATILÓGRAFA é um “sessão da tarde” sobre os tempos do chá-chá-chá, dos vestidos de laço e dos campeonatos de datilografia. Ou melhor, é um filme DAQUELE tempo, para um público que supostamente parou lá naquele tempo. Afora dois gestos mais ousadinhos, tudo fica na emulação de um modelo entre “filme de Doris Day” e “filme de Audrey Hepburn”. Com a diferença de que o romance central é mais sem graça que alface in natura. É engraçadinho o tratamento dos concursos como partidas de boxe. Um ou outro dado kitsch pode agradar aos nostálgicos. Mas esse é o tipo de filme que, como as máquinas de escrever, não precisava mais ser fabricado.

Robert Redford envelhece mas não perde a pinta de good boy. Em SEM PROTEÇÃO, ele vive um cara que tenta apagar a mancha de um “mau passo” político na juventude e reconquistar identidade, paz e família. O romance de Neil Gordon trata de velhos ex-ativistas pacifistas que fogem dos fantasmas de um crime no passado. Eles admitem que erraram por motivos certos. Não querem mais falar do assunto. O esquecimento e a negação garantem suas novas formas de vida. Mas eis que um deles resolve se entregar, e o rastilho se acende de novo. O filme é discreto e clássico como tudo o que Redford dirige. A fotografia do brasileiro Adriano Goldman é eficaz nesse modelo. Mas o roteiro deixa a desejar em vários aspectos. Não se justifica tanta mamata para aquele repórter quase foca de um jornal de segunda. Há também uma questão pai-filha muito mal resolvida e um desfecho-surpresa igualmente canhestro com a personagem de Julie Christie. O filme tem algumas boas cenas, mas acaba valendo mais pela oportunidade de ver tantas rugas em tantas caras que amamos tanto.

A CARA QUE MERECES, do português Miguel Gomes, é uma p’lícula muito tonta, ô pá! Tem praticamente duas metades. Uma com o professor do ensino fundamental, gajo hipocondríaco e de saco cheio com o mundo. A outra metade é com os sete “anões” (nada anões) que se esmeram em cuidar do professor doente, entre mil jogos que remetem a diversos contos de fada. Ora pois, o doente some na segunda metade e as coisas vão ficando cada vez menos divertidas. Miguel é um pândego, que ainda progrediria bastante para chegar a AQUELE QUERIDO MÊS DE AGOSTO e principalmente TABU. Mas já lá estão os germes de uma criatividade irreverente, que tira sarro das parvoices tipicamente lusitanas. Já lá estão os textos belíssimos de narração em off e o jacaré fake que figura como obsessão na obra do cineasta porreiro. O filme ainda passa terça próxima, às 20h, no IMS (Rio). Vai lá conferir. Se gostares, comemora. Se não gostares, diz foda-se e volta pra casa.

Um comentário sobre “Pílulas 28

  1. Pelamordedeus, que visão (ou falta de) sobre bullying esse crítico possu!. Como se o filme Depois de Lúcia exagerasse em algo no seu relato, sendo que situações como aquelas (senão piores) acontecem às pencas em escolas aqui no Brasil. Difícil é encontrar quem não conheça algum episódio de bully ocorrido em sua infância/adolescência tão grave quanto aquele mostrado no filme.

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