ROLÊ – HISTÓRIAS DOS ROLEZINHOS no streaming
No bojo das contestações de 2013 estavam os rolezinhos, quando moradores de favelas e periferias entravam em grandes grupos em shoppings de várias cidades brasileiras para evidenciar o racismo habitual desses espaços. Em clima de afronta pacífica e toques eventuais de performance, os rolezinhos trouxeram à tona o que usualmente fica dissimulado em olhares de desconfiança e rejeição à presença de pretos e pobres naqueles templos de consumo predominantemente branco e de classe média.
Rolê –Histórias dos Rolezinhos, de Vladimir Seixas (Vozerio, A Primeira Pedra), recupera algumas daquelas imagens. De um lado, a picardia e a provocação da rapaziada ocupando corredores, provando roupas nas lojas, comendo sanduíches de mortadela em praças de alimentação e desafiando a “normalidade” dos shoppings. De outro, a ação dos seguranças, muitas vezes violenta, e de policiais quando a onda de rolês começou a se avolumar. Ficava exposta a contradição de gente pobre (empregados, seguranças, policiais) discriminando e reprimindo outros pobres que ousavam estar onde supostamente não deveriam.
O documentário incorpora a potência dos registros quentes de então e vai atrás de alguns rastros. Elege três personagens principais que participaram de rolezinhos: o rapper Jefferson Luís, que anos depois rolava à procura de emprego; a empreendedora Thayná Trindade, criadora da grife de acessórios de moda afro Uzuri; e a performer Priscila Rezende. Pode-se dizer que cada um deles representa um aspecto do que estava por trás dos rolês: o popular, o afirmativo e o lúdico (a arte).
Vistos de um ponto de vista sociológico, os rolezinhos expunham uma metáfora do Brasil, ou seja, as interdições de cor e de classe que se mantêm sob disfarce até que uma situação especial as faça aflorar. Dois assassinatos de jovens negros em um supermercado e um shopping são lembrados no filme, assim como os protestos que se seguiram.
Responsável também por roteiro e montagem, Vladimir Seixas não consegue manter um discurso coeso a partir dos rolezinhos. Embora nunca perca o pique expositivo, ele faz digressões um tanto dispersivas ao enfocar seus personagens. Se há um dado comum a ordenar essas digressões, é o trinômio consumo/aparência/auto-estima, não por acaso vetores poderosos na luta por afirmação identitária e conquista de espaço pelo povo do rolê.
Senti falta também de alguma ênfase no crescimento do racismo e do ódio de classe nos últimos anos, uma vez que as reflexões se estendem até recentemente. O horror bolsonarista é objeto de uma reles referência passageira. Quanto ao movimento contestatório em si, é triste ver que só se mobilizou num contexto de governo de esquerda.
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