Cineport: um balanço preocupante

O 5º Cineport terminou ontem em João Pessoa com um balanço um tanto preocupante. De um lado, são evidentes as virtudes desse único festival a reunir filmes e gentes do mundo lusófono. De outro, não há como escamotear os problemas de organização e infraestrutura que ameaçam sua reputação. A caótica cerimônia de premiação, na noite de sábado, pareceu a todos um reflexo do que foi o festival.

A edição deste ano contou com um orçamento menor que a anterior, em 2009, e teve que enfrentar uma greve dos correios que tumultuou a chegada de materiais para exibição. Como resultado, a primeira metade do evento transcorreu com programação fechada em cima da hora e a desorientação reinando entre público, imprensa, realizadores e a própria equipe do festival. Na hora das exibições, apesar da qualidade do equipamento instalado e da boa vontade dos técnicos, as condições acústicas frequentemente deixaram a desejar e as projeções muitas vezes foram prejudicadas por DVDs claudicantes e incompatibilidades entre sistemas digitais, quando não simplesmente canceladas.

Para o futuro, o Cineport precisa fazer um arrazoado técnico para orientar a remessa de filmes nos suportes adequados e estabelecer prazos mais folgados para recebê-los e testá-los. Se bem que nada é fácil quando se trata de lidar com a produção vacilante e as carências de circulação dos filmes africanos. É sempre preciso dar esse desconto.

A presença de diretores, produtores, técnicos e críticos do Brasil, Portugal e África também merece ser melhor aproveitada mediante não apenas passeios e simpáticos contatos informais. É inconcebível não constar na programação nenhum tipo de encontro para troca de experiências e informações, conhecimento de projetos, investigação de complementaridades, etc. Mesmo os encontros casuais poderiam ser potencializados caso houvesse um circuito de comunicação minimamente eficiente entre os convidados, assim como entre o festival e o público. O que se viu neste ano foi uma grande desconexão entre tudo e todos, uma ausência de foco e uma curadoria que não conseguiu transmitir suas intenções. Nem mesmo os filmes exibidos contaram com qualquer espaço para debate e reflexão.

A Paraíba pede assistência

Se corre o risco de perder parte de sua importância a nível nacional e internacional, para a cultura paraibana o Cineport é um acontecimento nada desprezível, dada a grande privação por que passa o estado em matéria de circuitos para exibição de filmes menos bafejados pelos ventos da indústria. Em João Pessoa inexiste qualquer sala voltada para trabalhos alternativos. A combativa ABD local esteve no Cineport fazendo suas reivindicações por mais apoio à produção e à exibição independentes. A Paraíba é hoje o terceiro maior produtor de curtas do Nordeste, perdendo apenas para Pernambuco e Bahia. Sua produção não se concentra na capital, mas espalha-se pelos municípios do interior, onde também há muitos cineclubes. Apesar disso, o estado não oferece nenhum edital específico para o audiovisual além de um Prêmio Linduarte Noronha limitado a 300 mil reais. A verba dotada para a cultura na Paraíba não chega a 1 milhão de reais, oito  30 vezes menos que em Pernambuco.

Conversei sobre o assunto com João Carlos Beltrão e Ely Marques, respectivamente presidente e diretor da ABD. Segundo eles, a ação do governo nessa área é pífia. As dotações anuais mal dão para cobrir as captações do exercício anterior, deixando os realizadores à mercê dos seus próprios recursos ou de coletivos formados para matar a fome de cinema. O chamado Movimento Pelo Cinema Paraibano reivindica editais regulares e espaços para exibir a produção local (veja aqui).

E o Cineport não está fora desse campo de interesse. “A Sala Vladimir Carvalho, recém-inaugurada, tinha que ser um Cinema Vladimir Carvalho para exibir regularmente a produção independente”, propõe Beltrão, que já fotografou filmes de Vladimir. “Queremos cinemas, não salas multiuso”, complementa Ely, rejeitando um modelo que, na maioria das vezes, acaba não servindo para uso nenhum. Parece unânime em João Pessoa que o grande e agradável espaço ocupado pelo Cineport na Usina Cultural Energisa deveria ter um uso mais intensivo fora do período do festival. Parcerias com o governo e a UFPb poderiam ser o caminho para que os benefícios sazonais do evento se estendessem pelo resto do ano.

12 comentários sobre “Cineport: um balanço preocupante

  1. Carlinhos,

    O Cineport precisa realmente ser repensado, pois é de grande importância para a Paraíba e pode prestar grandes serviços para a incrementar o diálogo entre as cinematografias do Brasil, Portugal e África.
    Abraços

  2. ” A combativa ABD local esteve no Cineport fazendo suas reivindicações por mais apoio à produção e à exibição independentes…”.

    Bem todas essas reinvidicações ganharam um tom ainda mais forte, por ter agregado um conjunto de coletivos audiovisuais de todo o estado cominando no Movimento Pelo Cinema Paraibano, movimento esse que não vai parar, enquanto a Paraíba não for assistida.

  3. E quem disse que o atual Governo da Paraíba teria alguma sensibilidade para ligar ou não ao Cineport? Aliás, fora eleito em várias disputas com o apoio maciço dos chamados indevidamente de “intelectuais” (asrgh!). Meninos & meninas. Vão cuidar de suas belas vidas e deixem a Cultura em paz. Saludos.

  4. Caro Carlos Alberto, parabéns pela matéria! Gostaria apenas de fazer uma pequena ressalva corretiva em relação a um dado: o orçamento de Pernambuco para a cultura é de 30 milhões. Oito milhões é apenas para o audiovisual e esse montante, provavelmente, irá subir para a quantia de 12 milhões. Portanto, a verba para a cultura na Paraíba é 30 vezes menor do que a de Pernambuco. Mas se compararmos a verba para o cinema de Pernambuco em relação à verba total destinada à cultura na Paraíba (todas as arte, incluíndo-se a preservação do patrimônio histórico do estado), aí sim teremos uma relação de oito para um, onde Pernambuca ainda sai vencendo. Não existe explicação para essa distorção, pois se compararmos o PIB de Pernambuco e da Paraíba em 2008 (não tenho agora dados mais atualizados, mas sei que a Paraíba foi o terceiro estado que mais cresceu no Nordeste no ano passado) veremos que eles foram de aproximadamente 75 milhões e 25 milhões respectivamente, ou seja, uma relação de 3 para 1 e não 30 para 1.

  5. Perfeito resumo do que foi o festival! Um dos principais lamentos que tivemos foi a falta do encontro com os realizadores que chegaram dos mais variados lugares onde se fala e escuta a belíssima língua portuguesa. Uma pena.

  6. Carlinhos, o tom de sua preocupação é de uma generosidade emocionante. Uma declaração de amor ao Cinema e o profundo respeito à importância e grandeza de um Festival brasileiro do nível do Cineport.
    forte abraço

    • Meu caro Cesar, a ideia não era mesmo criticar por criticar, mas contribuir para o alerta necessário num momento em que o festival precisa pensar sobre si mesmo.

  7. Olá Carlos Alberto. Nós paraibanos- tanto os atuantes como apenas os amigos simpatizantes da área cultural- estamos um pouco envergonhados com a desorganização do Festival. Vale ressaltar que não é e não foi uma produção local. E que mesmo tendo uma direção de gente bacana, interessante e aberta ao bom cinema de língua portuguesa e cia, não houve espaço pensante e logístico de trabalho para os excelentes produtores, realizadores e estudiosos que existem na cidade.
    Mesmo tomando “uns bons drink” na também esquisita festa de encerramento, estamos conscientes que o evento regrediu em expressividade e seriedade. Mas, estamos na ressaka dessa constatação, tomando muita água pra entender o que podemos realizar neste estado tão pobremente e literalmente assistido!

    • Caroline, obrigado por seu comentário. Estamos todos conscientes dos excelentes propósitos dos organizadores do Cineport. Por isso mesmo acreditamos que, com um certo esforço e maiores cuidados, o festival poderá resgatar seu pleno prestígio e se integrar melhor ao meio cinematográfico paraibano.

  8. O Comunicurtas de Campina Grande é um festival muito interessante que arregimenta um numero enorme de realizadores da região. Hoje há uma produção local vigorosa alavancada pelo Andree Costa e sua equipe. Estão no momento finalizando um longa. Vale conferir!

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