Errol Morris, etc

Errol Morris, cuja retrospectiva começa hoje (terça) na Caixa Cultural-RJ, é um autêntico herói do documentário contemporâneo. Os copiões do seu filme “A Tênue Linha da Morte”, exibidos em juízo, ajudaram a provar a inocência do seu protagonista e salvá-lo da cadeira elétrica. A frequente inserção de cenas dramatizadas em vários trabalhos abriu caminho para uma nova forma de convivência entre documentos e encenações. O Interrotron, seu invento tecnológico que permite a entrevistado e entrevistador se dirigirem mutuamente através de telas de teleprompter, provoca no espectador a privilegiada (e às vezes incômoda) sensação de que os personagens estão falando diretamente com ele.
Morris gosta de dividir sua obra entre os filmes “completamente malucos” (“completely whacked out”) e os “politicamente engajados” (“politically concerned”). Entre os primeiros, alinham-se perfis de pessoas incomuns ou mesmo extraordinárias, como as enfocadas na sua célebre série de TV “First Person” e nos longas “Gates of Heaven”, “Vernon, Florida”, “Uma Breve História do Tempo”, “Fast, Cheap and Out of Control” e “Tablóide”. Entre os segundos, o retrato crítico de Robert McNamara em “Sob a Névoa da Guerra” e a investigação sobre o papel das imagens no episódio do presídio iraquiano de Abu Grahib em “Procedimento Operacional Padrão”.
Um caso especial, que combina os dois grupos, é o de “Dr. Morte”, sobre Fred A. Leuchter Jr., inventor de equipamentos para execução da pena de morte e autor do infame Relatório Leuchter, em que negava a existência de câmaras de gás em Auschwitz. A mostra da Caixa é uma excelente oportunidade de verificar o talento de Errol Morris para revelar como certas figuras humanas podem chegar a extremos de engenhosidade e ao mesmo tempo de estupidez.
Aqui, minhas resenhas de Procedimento Operacional Padrão e Tablóide. 

quai-d-orsay-13-11-2013-5-gBertrand Tavernier, que já foi grande nos anos 1980 e bom nos 90, parece ter caído para a medianidade a partir dos 2000. O PALÁCIO FRANCÊS é baseado numa graphic novel (“Quai d’Orsay”) co-escrita por um ex-diplomata e inspirou indiretamente o superior “O Exercício do Poder”. Tavernier fez uma adaptação alegadamente literal dos quadrinhos, enfocando a difícil adaptação de um jovem redator de discursos aos métodos histéricos de um Ministro das Relações Exteriores (inspirado em Dominique de Villepin). As filmagens de interiores foram feitas no próprio Palácio Quai d’Orsay. O que há de mais interessante é a sátira à política como exercício intelectual, uma particularidade muito francesa. O tal ministro toma suas decisões com base numa cornucópia de citações que vão de Heráclito a “As Pontes de Madison”. Hiperativo e caricato, é ele a única fonte de expectativas da comédia, já que todos os demais personagens patinam na condição de escadas. Inclusive o redator e sua vida privada, que não conseguem se estabelecer como contraponto na dramaturgia. Assim, o filme se prolonga numa espécie de piada esticada, que faz rir eventualmente pela velocidade e absurdo de alguns diálogos, mas logo deixa claro que não irá além da charge inofensiva. Até porque o ministro, afinal, se revela um gênio da diplomacia. P.S. A exibição no Espaço Itaú de Cinema (Rio) está escura a ponto de sugerir um filme de humor “negro”.

engel-lfstill8Conheci hoje uma pequena joia do cinema: LITTLE FUGITIVE, de Morris Engel, Ruth Orkin e Ray Ashley. Filme rodado em 1953, pioneiro do cinema independente americano e que Truffaut reconhecia como influência decisiva para a Nouvelle Vague. Na história (não tanto uma história, mas uma série de flagrantes semidocumentais), um menino pensa que matou o irmão com um tiro e foge para Conney Island num daqueles fins de semana lotados de classe média em passeio. Um conto sobre a inocência que é capaz de suplantar a culpa e o medo. Num preto-e-branco e com enquadramentos dignos de Cartier-Bresson ou Doisneau, o filme transpira beleza e espontaneidade. O menino Richie Andrusco é um prodígio de indiferença à câmera, fazendo-nos compartilhar sua completa imersão no imenso parque de diversões. Não sei se esse filme passou no Brasil a ponto de ter influenciado “Rio 40 Graus”, mas é sem dúvida da mesma família. “Os Incompreendidos” é sua cria assumida. Vejam um trecho aqui. E aqui, uma versão completa com legendas em italiano.

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