Bem-vindos ao Brasil-Cunha!

Ele venceu. Oficialmente, está removido do cargo e à espera da cassação, mas na verdade deve estar em algum restaurante chique comemorando a consumação do golpe de estado que ele acionou. Foi afastado estrategicamente para não atrapalhar sua vitória final. Na surdina, está sendo celebrado. Em breve será anistiado, perdoado, recompensado. Agora Eduardo Cunha não é somente um deputado e um bandido. Eduardo Cunha é o senhor do país inteiro.

O Brasil-Cunha que se estende sobre nós como uma sombra maligna é o país gerido por esses homens feios, vis, soturnos, corruptos e mal-intencionados. Chega de amadorismo. Agora estamos entregues aos profissionais. Bandidos profissionais, escolados na longa história da corrupção nativa e escorados numa mídia igualmente bandida e num Judiciário vendido em troca de aumentos salariais. Vamos à festa da privataria, do revanchismo cheio de ódio e do obscurantismo transformado em políticas públicas. O Brasil-Cunha se constrói dentro das masmorras, sem ousar dar as caras, sem prestar satisfações a não ser às forças econômicas de que é lacaio.

A defesa nobre de Dilma Roussef e todas as evidências de que se tratava de um julgamento político, uma revanche sórdida do conservadorismo neoliberal, de nada valeram perante os senadores hipócritas e covardes. Se as coisas ficarem por isso mesmo, estaremos fechando um curto período excepcional na vida política brasileira, aberto com a eleição de Lula em 2002. Infelizmente, foi apenas um descuido no padrão histórico, pois a regra brasileira parece ser a combinação da perversidade das elites com a cumplicidade da classe média e a passividade e indiferença do povo.

Como resumiu um editorial recente do Le Monde, as maiores vítimas dessa tragicomédia política são os brasileiros. Eu, no entanto, quero me excluir desse contingente. Não quero nem aceito ser parte desse Brasil-Cunha horrendo, nem mesmo como parte vitimada. E a única forma de que disponho para isso é ser o menos brasileiro possível. Renunciar a toda a noção de pertencimento nacional e me declarar uma espécie de apátrida espiritual.

Os últimos meses foram de angústia e luta contra a depressão. Ver a forma como o golpe se nutriu da pérfida influência da mídia elitista, do oportunismo e do ressentimento de tantos parlamentares, da estupidez de uma classe média disposta a aceitar qualquer barbaridade para não ter os pobres nos seus calcanhares e da omissão desses mesmos pobres tão beneficiados pelos governos do PT, tudo isso foi uma prova para os meus nervos e a minha capacidade de admitir o contraditório. Nunca pensei que iria sofrer tamanho desgosto político nem sentir tanta repulsa por pessoas sem caráter, algumas bem próximas de mim.

Mas depois do leite derramado, não há por que controlar a chama do fogão. Já que não foi possível evitar o advento do Brasil-Cunha, quero tomar a maior distância possível de seus eflúvios sulfúricos. Esse Brasil que aplaude a psicótica Janaína Paschoal não merece minha dor. Não quero trocar minha saúde por esse Brasil em que perde a inteligência e ganha a esperteza, perde a solidariedade e ganha o egoísmo, perde a diversidade e ganha a hegemonia fascista. Parto para o exílio interno, dentro da concha dos meus filmes, livros, viagens e amigos que ainda me orgulho de manter, além dos novos que ganhei nesse recente percurso. Aos que apoiaram o Brasil-Cunha ou se omitiram diante de sua iminência, que se empanturrem de suas iniquidades e façam ótimo proveito.

Continuo me opondo não mais como cidadão preocupado com os destinos do país, mas somente como alguém que atravessa a rua para não cruzar com o inimigo. Isso significa manter o meu mantra de não apoiar, não participar, não divulgar nem prestigiar qualquer iniciativa oficial ou das empresas e pessoas que estão do lado dos usurpadores. Não digo que abandonarei de todo a luta. Mas enquanto a democracia estiver pisoteada e a maioria paneleira ou silenciosa estiver satisfeita com isso, não vou me consumir, perder horas de sono e empenhar meu tempo em troca de nada. O Brasil-Cunha não terá o meu ódio porque esse é o sentimento que o alimenta. Terá, isso sim, o meu desrespeito absoluto e o meu desprezo mais profundo.

9 comentários sobre “Bem-vindos ao Brasil-Cunha!

  1. Carlos Alberto,
    Vc não está partindo sozinho para o exílio interno.”Esse Brasil que aplaude a psicótica Janaina Paschoal não merece minha dor. Ele tem o meu desrespeito absoluto e o meu desprezo mais profundo”.
    Gratíssima por expressar o que estava sufocado na minha alma.Parabéns.

  2. Carlinhos, suas reflexões traduzem exatamente o que penso e meus sentimentos neste momento pra lá de sombrio. Até pouco tempo tinha a ingenuidade de acreditar não ser possível tais desmandos! Grande abraço

  3. Suas idéias chegaram na hora exata. Adotarei também a posição de “apátrida espiritual” , sem ódio , mas com a altivez necessária para sobreviver neste Brasil-Cunha.

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