CYRANO MON AMOUR
Ora, se Edmond de Rostand, em fins do século XIX, criou toda uma história ficcional com dados da vida do escritor Hector Savinien de Cyrano de Bergerac, que viveu dois séculos e meio antes, nada mais natural que um autor contemporâneo invente uma trama com o próprio Rostand. Foi o que fez Alex Michalik na peça Edmond, agora transposta por ele mesmo para a tela em CYRANO MON AMOUR.
Para ajudar um amigo ator, Rostand lhe sopra as declarações de amor e escreve as cartas a serem enviadas à camareira por quem está apaixonado. Acaba envolvendo-se também com a moça e colocando seu casamento em risco. Exemplo de metaficção ou metateatro, o caso “real” o teria inspirado a criar o personagem da peça Cyrano de Bergerac em momento de dificuldade na carreira, aos 29 anos.
Em pauta, o poder de sedução das palavras e a diferença entre o amor e a inspiração, a amante e a musa – temas clássicos do século XIX, que ia chegando ao seu fim. A invenção do cinematógrafo ameaçava a hegemonia do teatro, Paris precisava de um grande sucesso. A criação de Cyrano de Bergerac aparece, então, como uma tábua de salvação não só para Rostand e o ator Constant Coquelin (Olivier Gourmet), o primeiro intérprete do narigudo, mas para a própria popularidade do teatro francês.
O filme tem um ritmo verbal e de montagem extremamente veloz, o que dissimula razoavelmente sua natureza de teatro filmado. No quinto ato da peça, o diretor nos reserva uma pequena surpresa ao fingir (mas só fingir) abandonar essa condição. A sugestiva reconstituição de época inclui a presença de outras figuras notáveis como Sarah Bernhardt, Georges Feydeau e até picarescas aparições de Anton Tchekhov e Constantin Stanislawski em local pouco recomendável.
Nessa combinação de teatro clássico e vaudeville, o modelo é o da montagem tumultuada de um espetáculo, o mesmo que inspirou algumas de nossas chanchadas. Há boas ideias e tiradas menos felizes, mas o saldo é uma diversão simpática e uma brincadeira engenhosa com a mitologia de Cyrano.