Um traço comum salta aos olhos nos dois longas de Gustavo Beck. Em Chantal Akerman, de Cá, codirigido com Leonardo Luiz Ferreira, a cineasta-personagem era vista exclusivamente por uma câmera subsidiária, lateral, postada fora do ambiente da entrevista. Em A Casa de Sandro, o artista plástico visitado em sua casa de campo é apenas entrevisto em fragmentos de ações e conversas, como se não fosse possível retratá-lo por inteiro, de frente.
O traço comum é uma certa sabotagem do modelo de cinema observacional. Nesse tipo de documentário, usualmente o cineasta negocia um acesso ao cotidiano do personagem e tenta reproduzir, para o espectador, a plenitude desse acesso, os ângulos mais expressivos, a espreita mais próxima possível. Numa palavra, repassar para o público o alcance do seu privilégio. Gustavo Beck, ao contrário, trabalha no sentido de truncar essa relação.
Dá-se uma espécie de gato-e-rato entre Sandro Donatello e o equipamento de filmagem. Quanto um está dentro de casa, o outro está do lado de fora. A espreita se faz entre vidros e portas que ora turvam a imagem, ora dificultam a captação do som. Às vezes a câmera vê as coisas de muito longe, outras está bem perto, mas o que mostra é por demais casual e insuficiente para formar um sentido a respeito do que se vê. É um pouco como o quadro que vemos Sandro pintar em dois breves momentos – um conjunto de formas vagas, que ele depois recobre completamente com pinceladas aleatórias, num gesto quase destrutivo.
Se a câmera lateral de Chantal Akerman tinha uma função reveladora e desestabilizadora do ritual do encontro/entrevista, o perfil truncado de A Casa de Sandro não leva a nenhuma conclusão essencial sobre o artista ou sobre o próprio filme. Aqui somos apenas voyeurs sabotados de cenas banais, embora virtuosamente enquadradas. A bela imagem, no fundo, é uma moldura que resta incomodamente vazia.