A Sessão Vitrine lança esta semana Avenida Brasília Formosa, do pernambucano Gabriel Mascaro. No Rio, o filme passa no Cine Joia, sempre às 18h30, até quinta-feira. Sobre ele, republico abaixo um texto de fevereiro do ano passado. E também um trecho do release de lançamento, que, de maneira pouco comum, pretende oferecer uma leitura pronta do filme.
O meu texto
Autor do polêmico Um Lugar ao Sol, mais uma vez Gabriel Mascaro enfoca a relação de pessoas com sua moradia e a cidade. Mas Avenida Brasília Formosa se ocupa de uma faixa social bem diferente dos habitantes de coberturas do outro filme. A atitude do diretor também se altera diametralmente.
Estamos num bairro periférico de Recife, a favela Brasília Teimosa, cenário de uma célebre visita de Lula recém-eleito e seus ministros em janeiro de 2003. Já antes disso, em2001, aorla do bairro tivera removidas suas palafitas para dar lugar à abertura da Avenida Brasília Formosa, rapidamente transformada em foco de especulação imobiliária. Esse tipo de informação, embora importante para se compreender as motivações dos personagens, nos chega de maneira oblíqua, como se encaixadas num roteiro de ficção.
Nas primeiras exibições, Mascaro apresentava o filme como ficção, o que – desconfio – servia apenas para explorar a ambiguidade do seu registro observacional dos moradores reais de Brasília Teimosa. A não ser que aquelas pessoas não sejam o que estão representando na tela, trata-se de um documentário. As coisas giram em torno principalmente de Fábio, garçom que nas horas vagas trabalha como cinegrafista amador e tem outros pendores mais surpreendentes. O caminho de Fábio se cruza com o de Débora, manicure que o contrata para gravar seu book com vistas a uma vaga no Big Brother. Cruza-se também com o do menino Cauan, cuja festa de cinco anos é animada e gravada por ele. Temos, ainda, um tanto deslocado dessa rede central, o pescador Pirambu, que teve sua economia doméstica afetada pela remoção das palafitas.
Em vez de ficção, estamos diante de um documentário que procura escapar de cânones expositivos mais clássicos. Os fragmentos de informação sobre o cotidiano dos personagens e, por extensão, do ambiente do bairro fluem casualmente de conversas entre parentes e amigos, não sem algumas situações criadas artificialmente. A trilha sonora (proveniente das cenas) embebe as imagens no caldo brega de Recife.
Nada disso contradiz o espírito do doc moderno a ponto de ser visto como ficção. O que caracteriza, de fato, Avenida Brasília Formosa é a decisão de não buscar um eixo dramático definido. O filme tenta bastar-se nos fragmentos, na ausência de um “grande sentido”, seja ele sociológico ou antropológico. Para uns, isso pode soar como incompletude. Para outros, pode ser frescor.
O que ninguém vai discutir é o capricho formal de Mascaro, que se reflete tanto no planejamento de tomadas expressivas sobre a relação das pessoas com a arquitetura e o urbanismo, quanto na qualidade das imagens captadas pelo cearense Ivo Lopes Araújo. Quem conhece Sábado à Noite, dirigido por Ivo, sabe o que pode esperar da fotografia noturna de Avenida… É algo próximo do virtuosismo. Por isso mesmo, às vezes sentimos a impressão de que a pesquisa formal é tão ou mais importante que a investigação temática do choque entre as Brasílias Teimosa e Formosa.
Do release
“O filme Avenida Brasília Formosa é antes de tudo um ponto de partida para gerir encontros entre sujeitos singulares e subjetividades a partir de personagens eleitos para tecer uma rede, arquitetando uma leitura poética e sensorial da comunidade de Brasília Teimosa.
Fábio é garçom e cinegrafista, um homem que registra importantes eventos no bairro de Brasília Teimosa (Recife). No seu acervo, raras imagens da visita do presidente Lula às palafitas. Fábio é contratado pela manicure Débora para fazer um videobook e tentar uma vaga no Big Brother. Também filma o aniversário de 5 anos de Cauan, fã do Homem Aranha. Já o pescador Pirambu mora num conjunto residencial construído pelo governo para abrigar a população que morava nas antigas palafitas do bairro, que deu lugar à construção da Avenida Brasília Formosa. O filme constrói um rico painel sensorial sobre a arquitetura e faz da Avenida uma via de encontros e desejos.
Estes laços comunitários se estabelecem não a partir de uma romantização (muito comum ao cinema brasileiro) do conceito de “identidade cultural”, mas a partir de relações cotidianas. São relações que congregam tensão e conflito com as mais puras necessidades humanas. Uma verdadeira teia complexa e intrincada de pessoas que se interconectam. A comunidade de Brasília Teimosa percebida enquanto dicotomia de fluxos, micropolíticas, dialéticas de representação, identidades repartidas, fissuras, grafias. O filme fala sobre desejo, mas o desejo enquanto potência de vida e sonho real. O filme sugere uma dança, quase um ballet, que suspende esse real e o sustenta na ponta dos dedos do pé.”
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