Folk, animação, documentário

INSIDE LLEWYN DAVIS tem umas tantas coisas que nos acostumamos a gostar nos filmes dos Irmãos Coen: o inverno, locações desoladas, protagonistas fracassados, coadjuvantes de rostos exóticos, uma direção entre o intimismo e o humor absurdo. Ainda assim, não me chegou exatamente como um filme dos Coen. Aqui eles deixaram de lado a mordacidade habitual e o sentido de trama para fazer uma crônica bastante chapada de artista decadente. Llewyn Davis é um personagem niilista que recusa qualquer transformação e, assim como o ritmo lerdo das folk songs que canta, parece levar a vida sem nenehum prazer ou projeto. A ideia de emular no filme a melancolia e o estranhamento das letras, a meu ver, não resultou no que aparentemente se esperava: criar uma poética da inconsequência. Dois ou três momentos de comicidade mais direta, um deles a cargo do craque John Goodman, não foram suficientes para compensar o meu tédio. O óbvio paralelo entre o cantor e o gato vira-latas que vive se perdendo pela cidade é mais uma prova de que dessa vez faltou inspiração à dupla.

Há motivos de sobra para nos deslumbrarmos com a animação VIDAS AO VENTO. A sutil combinação de desenho tradicional com finalização digital, o detalhismo naturalista das paisagens urbanas, a sugestão perfeita dos movimentos, a palheta de cores, tudo comprova a excelência dos trabalhos de Hayao Miyazaki e do seu estúdio Ghibli. Mas há razões também para acharmos esse filme distante dos melhores do veterano diretor. Aqui faltam os elementos de magia e estranhamento que temperavam o sentimentalismo de outros longas seus. VIDAS AO VENTO é uma combinação – não tão harmônica assim – de uma aventura industrial, baseada num mangá de 2009 do autor, com uma história de amor inspirada em novela de Tatsuo Hori de 1938. As duas histórias correm paralelas, sem nunca formarem uma unidade. Tive dificuldade em me conectar com a história desse menino-prodígio que desenhou o famoso avião Zero da Mitsubishi para os militares japoneses derramarem bombas sobre os aliados na II Guerra. Em dado momento, eu estava cansado de discussões sobre flaps, engates e rebites de cabeça chata. Politicamente, o filme é uma cumbuca cheia de espinhos. É bem verdade que, junto a um certo tom patrioteiro, Miyazaki também veicula a amargura de uma consciência pesada. Nesse estranho balanço de culto à beleza, empenho militarista, experiência do fracasso e autoquestionamento moral, VIDAS AO VENTO se mostra ao mesmo tempo complexo e discutível, atraente e um tanto repulsivo.

Rithy Panh, o mais importante cineasta cambojano, volta ao tema do terror do Khmer Vermelho em A IMAGEM QUE FALTA, concorrente ao Oscar de melhor filme estrangeiro. O assunto o assombra desde sempre, pois ele e sua família foram vítimas do regime de Pol Pot. Em “S-21 – A Máquina de Morte do Khmer Vermelho”, ele rememorou, com a ajuda de carrascos e vítimas, a carnificina praticada num determinado campo de extermínio. Em “Duch, le Maître des Forges de l’Enfer”, retratou uma das mais altas patentes do genocídio. No total, Panh já fez pelo menos cinco filmes sobre a tragédia do Kampuchea. De todos, A IMAGEM QUE FALTA é o mais pessoal. Narrado em primeira pessoa, apresenta imagens arrancadas da memória do próprio diretor, que testemunhou na infância os horrores dos campos de trabalho forçado e reeducação ideológica dos anos 1970. Para dividir conosco – e assim exorcisar – as imagens do que nunca foi filmado, ele usa bonecos toscos de barro (do artista Sarith Mang) na reconstituição da aldeia para onde foi enviado com seus pais, onde reinavam a fome, o sofrimento e a morte corriqueira. A isso combinam-se recursos diversos, como farto material de filmagens oficiais e até projeções sobre um prédio. O barro, porém, é o leit motiv, presente nos bonecos, na terra árida dos campos e nas covas para onde escoava o massacre de 1,8 milhão de pessoas. De certa forma, este é o mais convencional dos docs do autor sobre o tema, pois fornece uma visão geral e ilustrativa dos fatos, sem ângulos novos em relação ao que já se conhece. A narração não disfarça o tom monocórdico, como num lamento. Ainda assim, o filme tem a força dos depoimentos nascidos da experiência mais íntima e dolorida. Ao mesmo tempo, passa uma reflexão interessante sobre o alcance e as limitações do que o cinema pode legar à História.

4 comentários sobre “Folk, animação, documentário

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    Cadu
    PS: só para constar, não é um site para colocar links do seu blog. É um lugar a mais para escrever e ficar ainda mais conhecido

    • Salve, Cadu, parabéns pelo site, parece muito interessante. Não vou aderir no momento por absoluta falta de tempo para postagens e acompanhamento. Mas agradeço o convite e desejo sucesso.

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