No outro lado das grades

Antes de fazer cinema, Aly Muritiba (Para Minha Amada Morta) foi guarda carcerário. Realizou dois premiados curtas sobre presídio, A Fábrica (ficção) e O Pátio (documental). Agora lançou o documentário de longa-metragem A GENTE, conclusão de uma trilogia. Rodado entre 2012 e 2013,  focaliza a rotina dos agentes penitenciários da Casa de Custódia de São José dos Pinhais, no Paraná. Em tempos de heroicização da polícia por outro filme em cartaz, este doc faz um contraponto mais bem fundado na realidade brasileira.

Não há entrevistas nem qualquer interação com os personagens, mas apenas a observação de suas conversas e atividades no interior da penitenciária. Acompanhamos o dia a dia do recém-empossado inspetor Jefferson Walkiu, empenhado em dar um “tratamento diferenciado” aos mais de 900 detentos sob sua responsabilidade. Ao longo de dois anos, seus bons propósitos são continuamente frustrados por conta de todo tipo de dificuldade: da insuficiência de materiais (faltam coletes à prova de balas, algemas, papel, café, remédios, assistência médica) a falhas de segurança, travas da burocracia e ausência do Estado naquilo que lhe competiria prover. Para complementar o retrato do personagem, Jefferson é visto também no ambiente familiar e, de terno e gravata, no templo em que atua como pastor evangélico.

O filme nos propõe olhar o cotidiano de um presídio pelo ponto de vista dos carcereiros. As revistas e triagens, a condução dos presos, as reivindicações vindas dos “barracos” (as celas) e os cuidados com as facções do crime nos chegam por um ângulo profissional – o que faz de A GENTE uma espécie de contracampo de O Prisioneiro da Grade de Ferro, que abordava a intimidade dos detentos.

Toda grade tem dois lados, e esse raro mergulho no trabalho dos agentes revela sem retórica a outra face de uma conjuntura assustadora. O aparato de observação montado por Muritiba, no entanto, estende-se em pormenores às vezes desinteressantes, módulos identificados por siglas indecifráveis e uma movimentação repetitiva que, embora fiel à realidade filmada, pode indispor espectadores menos pacientes.

Outro fator que prejudica seriamente o resultado é uma captação de som direto e uma mixagem extremamente “abertas”. A invasão de ruídos e gritos do extracampo inviabiliza a compreensão de muitas conversas. Pode soar mais realista, mas é frequentemente frustrante.

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