A CONSCIÊNCIA LATINO-AMERICANA EM CRISE
(Texto escrito originalmente para o catálogo do Festival do Rio 2017)
No ano que vem esse superclássico de Tomás Gutiérrez Alea fará 50 anos. O Festival do Rio se antecipa exibindo uma cópia restaurada em 35mm. É um evento e tanto. Memórias do Subdesenvolvimento permanece um filme moderno e atual porque reflete dilemas e questões que a América Latina ainda está longe de superar.
Em 1968, Cuba vivia a consolidação do chamado Triunfo da Revolução, enquanto parte do continente se debatia em ditaduras militares. O Brasil mergulhava nas trevas do AI-5. A revolução cubana servia de inspiração para as esquerdas dos países em desenvolvimento.
No campo da arte, a Nouvelle Vague, o Cinema Novo e o novo cinema cubano mudavam os paradigmas da expressão cinematográfica, elegendo a dúvida, o questionamento e a instabilidade como antídotos aos cânones do cinema hollywoodiano. O filme de Alea respirava todos esses ares a plenos pulmões.
Sergio, o protagonista, é a personificação de uma consciência em crise. Sua família burguesa resolve deixar Cuba, mas ele prefere ficar. Sozinho, sem renda e alienado do projeto coletivo então em marcha, debruça-se sobre o seu passado e não oferece nenhuma resistência a que o presente o modifique. Examina sua infância, seus amores e amizades, a ditadura de Batista e as transformações que a revolução operou a nível individual.
Sergio é a náusea existencial num momento em que tudo pulsava em torno da ideologia. Mas Alea e Edmundo Desnoes, autor do romance original, não tratam disso como uma dicotomia. No filme, o jogo imagem-texto, quase sempre irônico ou acuradamente dialético, demonstra o entrelaçamento indissociável do convívio social aos fenômenos políticos. Daí a grandeza dessas Memórias, certamente uma das dez maiores cintilações do cinema latino-americano e um dos grandes títulos da história do cinema político.
Grande iniciativa do Festival! Um dos filmes mais importantes da história do cinema latino americano e mundial