Os Olhos de Orson Welles, de Mark Cousins
Um dos mais criativos e pessoais documentaristas da atualidade, e também um ativo crítico e pesquisador de cinema, o inglês Cousins tomou uma caixa de desenhos de Orson Welles – muitos deles nunca vistos – como dispositivo para reexaminar a carreira do gênio sob perspectiva diferente. O filme é de uma beleza rara tanto pelo material com que lida, quanto pelas imagens que criou para fazer um contraponto entre o tempo de Welles e a atualidade. Estrutura-se como uma carta de Cousins a Welles, na qual ele pergunta sobre as conexões entre desenho, cinema e a arte universal que teriam forjado o pensamento visual do autor de Cidadão Kane. Mesmo quando os desenhos não estão no foco principal, o filme mantém uma aura de originalidade incontestável. Cousins analisa as diversas personae de Welles segundo as figuras de um reinado: o peão, o cavaleiro, o Rei, o bobo da corte. É espantosamente revelador.
Ryuichi Sakamoto: Coda + Um Concerto em Nova York, de Stephen Nomura Schible
O produtor e diretor japonês Schible acompanhou Ryuichi Sakamoto durante cinco anos para compor o retrato íntimo e fascinante que é Coda. Não se trata de uma biografia convencional, mas de um perfil do artista na maturidade, com muitas coisas importantes para dizer além da música. O filme aborda sua militância anti-nuclear (ele toca reverencialmente num piano que resistiu ao tsunami de Fukushima), suas viagens à África e ao Polo Norte para “pescar” sons da Natureza que gosta de inserir em suas composições. Observa sua postura perante um câncer na garganta e perante algumas de suas grandes admirações, como os corais de Bach e o som dos filmes de Tarkovski. Alguns arquivos mostram apresentações de juventude e a gravação da trilha sonora de O Último Imperador. Vemos Sakamoto compondo, em busca do ideal de um “som perpétuo” que fuja à percussividade do piano. Já Um Concerto em Nova York é o registro quase completo de um concerto para pequena plateia na Park Avenue Armory. Ali Sakamoto apenas acrescenta o piano ou toques em artefatos amplificados a uma potente base eletrônica pré-gravada. Fica claro como sua obra procura combinar alta tecnologia e simplicidade, planificação e acaso.
Be Natural: A História Não Contada da Primeira Cineasta do Mundo, de Pamela B. Green
Alice Guy-Blaché foi a primeira mulher a dirigir um filme no mundo, em 1896. Dividiu com Georges Méliès o pioneirismo em sincronização de som, colorização, uso de elenco interracial e de efeitos especiais. Realizou mais de 1.000 filmes e, mesmo assim, foi esquecida durante décadas pela história do cinema. Redescoberta a partir dos anos 1970, ainda precisa que um filme como Be Natural insista em afirmar o seu valor. Não falta ênfase ao doc de Pamela B. Green, mas o desejo de passar o máximo de informação possível prejudica o resultado. São infindáveis nomes, datas e dados numa velocidade frenética que torna a absorção impossível. Além disso, o fetiche da pesquisa, exposto em detalhes, acaba atraindo tanta atenção para o processo do filme quanto para seu objeto. Um dos muitos entrevistados recomenda, a certa altura: “Mostrem como eram maravilhosos os filmes de Alice e lhe terão prestado um belo serviço”. Infelizmente, Pamela não seguiu esse conselho. São poucos e curtíssimos os flashes de filmes, engolfados na avalanche de outras informações.
Também de esquecimento trata esse documentário de Ruth Beckermann. No caso, a estranha “amnésia” que acometeu o ex-presidente austríaco e ex-Secretário Geral da ONU Kurt Waldheim quanto aos anos da II Guerra em que serviu ao governo nazista. Omitida de sua autobiografia, essa passagem comprometedora foi desenterrada durante sua campanha para a presidência da Áustria em 1986. Ruth elaborou seu filme inteiramente com material de arquivo daquela ocasião, incluindo cenas rodadas por ela mesma em 16mm. É admirável como ela conseguiu montar uma narrativa clara sem recorrer a qualquer narração, texto ou depoimento rememorativo. A questão Waldheim ocupou a ONU, os debates da campanha e as discussões de rua, terminando por receber a absolvição dos eleitores e uma posterior condenação moral por um comitê de historiadores.
Que tal botar alguém diante de uma câmera e não lhe perguntar nada? Foi o que fez Tsai Ming-Liang em mais uma de suas experiências de radicalidade no documentário (em Jornada para o Oeste ele filmou um ator vestido de monge andando em câmera lenta por Marselha). São 1o pessoas comuns mais o próprio Ming-Liang e seu ator-companheiro Lee Kang-Sheng que se posicionam em close e reagem de formas diversas à situação. Uns lançam olhares perdidos pelo entorno, outros riem encabulados. Há os que contam histórias de suas vidas, fazem exercícios faciais ou simplesmente caem no sono. O efeito é ora cômico pelas surpresas, ora intrigante pelo que a paisagem dos rostos pode sugerir. Mas pode ser também enfadonho e sem sentido para quem não se sintonizar com o extremismo da proposta. A trilha sonora de Ryuichi Sakamoto, adequadamente, é feita de modulações de música drone, às vezes tão inexpugnáveis quanto as expressões de algumas faces.
Uma colagem de cenas de filmes e programas de TV rodados em São Francisco almeja homenagear Um Corpo de Cai, de Hitchcock. As ideias de vertigem, espelhamento, obsessão, repressão sexual e encalço são centrais na seleção montada por Guy Maddin, um especialista em lidar com acervos cinematográficos. Mas ele não se limita a compilar. Ao contrário, altera deliberadamente diálogos, faz incrustações de um filme em outro e cria uma fantasia de ressignificação atordoante. O título refere-se a uma névoa que Maddin insere em diversas cenas, como um prenúncio do grand finale, que alude ao histórico de Frisco no quesito terremotos. O filme é ao mesmo tempo fascinante e cansativo, especialmente devido à música compulsiva e estridente do Kronos Quartet.