O brasileiro FENDAS e o japonês BONECA INFLÁVEL têm suas personagens tentando cruzar fronteiras quânticas e metafísicas
A cor do som
A mostra competitiva do Brasilia International Film Festival está exibindo online, até o dia 26/4, o longa brasileiro FENDAS, de Carlos Segundo (link aqui). É um filme exigente, de trama quase inexistente a nível concreto, mas com uma intensa busca conceitual e estética. Tudo se passa nas bordas entre teoria quântica, memória recalcada e tentativa de recuperar perdas.
Catarina é uma pesquisadora formada na França, que está em Natal (RN) investigando camadas sonoras existentes no interior das imagens filmadas com sua câmera. Ela mergulha no pixel das imagens e consegue ouvir uma outra frequência, cujos sons lhe sugerem algo extremamente perturbador. Uma fenda no espaço-tempo parece se abrir à sua sensibilidade – e ela grita em direção ao mar solicitando que alguém lhe envie um e-mail.
A começar pelo seu gato, uma série de perdas e desaparecimentos talvez expliquem sua ansiedade por encontrar um vínculo em outra dimensão espaço-temporal, uma espécie de “outro do outro”.
A princípio, parece uma especulação absurda e estéril, mas aos poucos o filme vai nos absorvendo na busca enigmática da pesquisadora. Principalmente porque a atriz Roberta Rangel nos magnetiza por completo com uma performance incrivelmente veraz e sensível. Suas longas conversas com o único aluno da disciplina Física da Poiesis – um filho de pescador com vasta erudição – e com uma amiga são planos-sequência fixos de grande bravura interna.
Locações impressionantes da capital potiguar são enquadradas com rigor visual e alto poder sugestivo, enquanto o tratamento sonoro é uma experiência de pura imersão.
Embora não consiga nos conectar claramente com a subjetividade de Catarina, FENDAS desenha uma inquietação metafísica que acaba valendo por si. E revela um diretor cheio de esmero plástico e ousadia intelectual.
O coração não é de plástico
Hirokazu Kore-eda, o cineasta japonês dedicado ao tema das configurações familiares incomuns (adoção, parentescos complicados, situações de orfandade), criou uma variação surpreendente em BONECA INFLÁVEL. O filme está na plataforma de streaming Belas Artes à la Carte com acesso gratuito até o próximo dia 29/4 (link aqui). A fantasia da boneca que “desperta” para a vida e não se contenta em ser um mero acessório sexual de homens solitários tem leves semelhanças com Asas do Desejo, de Wim Wenders, em que um anjo quer experimentar as dores e prazeres de ser um simples humano.
A atriz sul-coreana Doona Bae (que já atuou em dois filmes de Bong Joon-ho, O Hospedeiro e Cão que Ladra não Morde) é Nozomi, a boneca de plástico comprada por um garçom. Depois que toma consciência de sua condição, ela passa a levar uma vida paralela e clandestina enquanto o dono está no trabalho. Emprega-se numa locadora de vídeos (estamos em 2009) e descobre duas coisas importantes: que tem um coração e que os homens também podem ser tão “vazios” por dentro quanto ela.
É onde Kore-eda finca sua crítica ao consumismo, ao medo de envelhecer e à falta de sentido da vida moderna. Vários personagens terciários aparecem em situações definidoras desse vazio existencial e de uma profunda solidão em meio à grande cidade. Enquanto isso, tomada por uma desconhecida alegria, Nozomi vai saboreando o mundo das pessoas de carne e osso. Com o cuidado de não se deixar desinflar.
O diretor conduz essa fábula com grande delicadeza e muitas referências lúdicas, mas também com uma gravidade que se manifesta em vários momentos. Sobretudo no último ato, quando uma paixão leva Nozomi a um ato de ingenuidade criminosa. Nesse ponto, a graciosa leveza de Kore-eda dá lugar a um desfecho funesto que parece herdado de Nagisa Oshima.
Estou começando a assistir Fendas……Que ótima oportunidade ter contato com noticias e filmes do Festival Internacional de Brasilia.
Grata
Curta bastante, Ceci. Beijos
Boneca Inflavel assisti na plataforma Belas Artes..alias estou consumindo vorazmente vários filmes que são uma raridade