Resistência nas montanhas do Lesoto

ISSO NÃO É UM ENTERRO, É UMA RESSURREIÇÃO no streaming

A narrativa é mítica, como deixa claro o narrador de corpo presente contando a história da aldeia de Nazaretha já depois de ter sido inundada para a construção de uma represa. Após um longo prólogo num estranho bar de luzes coloridas, onde o homem toca uma lesiba (instrumento de vibração), conhecemos enfim Mantoa, a mulher mais idosa daquela aldeia de pastores de ovelhas nas montanhas do Lesoto.

Mantoa já havia perdido marido, filha e netos, e acaba de receber a notícia da morte do filho nas minas da África do Sul. O corpo chega para ser enterrado. A partir daí, ela resolve empenhar suas forças em dois objetivos: preparar seu próprio funeral, começando por achar alguém que cave a sua cova, e liderando a resistência da aldeia contra o realocamento. Sua bandeira é não mexer com os mortos que estão enterrados ali.

Nazaretha era conhecida antigamente como Planície das Lamentações, pois servia de cemitério para as vítimas da peste negra na região. Depois vieram guerras e os mortos foram muitos. Ali estão enterrados os parentes dela e de todos. A nós, essa mulher parece um cruzamento das personagens de Sônia Braga em Aquarius e Bacurau, acrescidas de uma camada de espiritualidade. Ela personifica a ligação dos aldeões com a terra.

O diretor Lemohang Jeremiah Mosese nasceu no Lesoto e vive em Berlim desde 2012. Foi poeta e desenhista antes de entrar para o cinema. Diz-se influenciado por A Paixão de Joana d’Arc, de Dreyer. A veterana atriz sul-africana Mary Twala Mhlongo (1939-2020) impressiona com uma performance hierática que lembra algum totem de arte africana. Seus traços duros e marcantes são frequentemente contrastados com fundos de cores fortes (como o azul das paredes e do cortinado de sua casa) ou com as luzes alaranjadas que iluminam os interiores.

As belas paisagens do Lesoto estão sempre presentes, muitas vezes com o céu ocupando a maior parte da tela – o que entendi como um indicativo da prevalência do mundo espiritual sobre o terreno. A trilha atonal do japonês Yu Miyashita ajuda a deslocar o filme de um modelo de dramaturgia tradicional para um campo de relações mais alusivas, sem causas e efeitos muito claros. É bom, portanto, desapegar-se de exigências mais convencionais e deixar-se levar pelo relato fragmentado que parece vir das liberdades da tradição oral.

A produção de Isso Não é um Enterro, é uma Ressurreição (This Is Not a Burial, It’s a Resurrection) teve incentivos determinantes da Bienal de Veneza e do Festival de Roterdã. No de Sundance ganhou um prêmio especial de Visionary Fimmmaking, além de outros de melhor filme e melhor atriz em diversos festivais inernacionais.

>> Isso não é um Enterro, é uma Ressurreição estará na plataforma Cinema Virtual a partir da próxima quinta-feira, 23/12.

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