O calendário de festivais de cinema no Rio ficou com uma lacuna irreparável no ano passado. Por dificuldades na busca de patrocínio, Patrícia Monte-Mór e José Inácio Parente não puderam realizar a Mostra Internacional do Filme Etnográfico. Este ano, felizmente, a mostra volta em sua 15ª edição com toda força e patrocínio da Eletrobrás, Secretaria de Cultura do Estado do RJ e Prefeitura/Riofilme. Na abertura hoje à noite para convidados, será exibida a co-produção luso-brasileira O Manuscrito Perdido, de José Barahona.
A partir de amanhã (quinta) e até o dia 24, o Museu da República vai abrigar exibições na sala de cinema, nos jardins e nas quatro cabines de visionamento. Nestas últimas, o espectador faz seu próprio programa com todos os filmes da mostra e mais a coleção completa do Etnodoc. Dos 350 filmes inscritos, a programação vai reunir mais de 100, realizados no Brasil e em outros 16 países. José Inácio Parente destaca não só a quantidade de trabalhos, mas a liberdade crescente na linguagem dos filmes, muitos dos quais se desprendem do modelo tradicional de entrevistas + material de arquivo.
Além do habitual Laboratório do Filme Etnográfico – este ano com Angela Torresan, professora brasileira da Universidade de Manchester/Granada Centre, já com inscrições encerradas –, haverá um fórum de debates envolvendo diretores brasileiros e estrangeiros com filmes na mostra. Vários desses filmes são perfis biográficos de antropólogos: An Ecology of Mind foi dirigido por Nora Bateson e versa sobre as ideias de seu pai, o antropólogo Gregory Bateson, casado com Margaret Mead; The Professional Foreigner: Asen Balikci and Visual Ethnography, de Rolf Husmann, discute o fazer do filme etnográfico a partir da trajetória de um de seus expoentes; Elogio da Graça, de Joel Pizzini, é um carinhoso retrato do cineasta Arne Sucksdorff a partir das lembranças de sua esposa brasileira, Maria da Graça Sucksdorff. É interessante notar que esse foco temático coincide com um momento do cinema brasileiro em que estão prestes a entrar em cartaz Paralelo 10, de Silvio Da-Rin (sobre o sertanista José Carlos Meirelles) e Xingu, de Cao Hamburger (ficção sobre os Irmãos Villas-Boas).
Eu vou mediar uma das mesas do fórum, sobre Biografia no Filme Etnográfico, com participações de Nora Bateson, Rolf Husmann e Joel Pizzini. Outras mesas terão os realizadores de As Hiper Mulheres e o francês Emmanuel Grimaud, cujos trabalhos de antropologia visual podem enfocar tanto o gestual dos cineastas de Bollywood como os movimentos de máquinas e robôs.
A mostra vai ser uma boa chance para quem ainda não viu filmes brasileiros recentemente elogiados e premiados. É o caso de Marcelo Yuka no Caminho das Setas, Angeli 24 Horas, Cinematógrafo Brasileiro em Dresden, Terra Deu Terra Come, Copa Vidigal, Babás, Avenida Brasília Formosa, Walachai, Terras, As Batidas do Samba, A Falta que me Faz, Acercadacana, Icandomblé, Soldados da Borracha e Formas do Afeto: Ensaio sobre Mário Pedrosa. Emilio Domingos vai estrear o seu Quando Xangô Apitar, mais um doc ambientado no inesgotável samba da Mangueira.
Entre os filmes internacionais, uma atração que reputo imperdível é Pink Saris, de Kim Longinotto. Folheando o catálogo on line, já agendei conhecer os seguintes: Awareness, o último rebento do inefável casal David e Judith MacDougall, de quem será exibido também o clássico Lorang’s Way; The Lover and the Beloved: a Journey into Tantra; Cooking up Dreams (sobre o papel social da gastronomia no Peru), Djeneba (retrato intimista de uma família do Mali) e Kings of the Beetles (uma competição de besouros-rinocerontes na Tailândia filmada pelo convidado Emmanuel Grimaud).
As homenagens do evento este ano se dirigem ao cineasta Adrian Cowell, que muito e bem filmou a Amazônia brasileira, e à escritora e pesquisadora Lélia Coelho Frota, uma grande amiga da Mostra.