Estou em Brasília a convite de André Luiz Oliveira para participar do I Festival Internacional: Cinema e Transcendência. O evento abre hoje (quarta) à noite no Museu Nacional dos Correios com um concerto de Dhrupad (canto tradicional indiano) e a exibição do longa Louca Sabedoria (Crazy Wisdom), de Johanna Demetrakas, documentário sobre Chogyam Trungpa Rinpoche, figura decisiva na introdução do budismo tibetano no Ocidente.
Até o domingo, uma concisa programação vai incluir filmes indianos, neo-zelandeses, americanos e italianos, além de Sagrado Segredo, o último longa de André Luiz. A curadoria, dele e de Carina Bini Fernandes, escolheu filmes recentes que não somente tratam de personagens ligados à ideia de transcendência espiritual, mas também de diretores que procurem o autoconhecimento através de seus filmes. É o caso, por exemplo, de André Luiz em Sagrado Segredo e do americano Tom Shadyac em Eu Sou (I Am), que retrata os questionamentos profundos do realizador após sofrer um grave acidente.
Na Trilha do Coração reconta a jornada espiritual de Krishna Das, mestre de canto que na década de 1970 abandonou sua carreira nos EUA em busca de um mestre indiano nos Himalaias. O festival se encerra no domingo com o doc Happy, em que Roko Belic reuniu cineastas de 14 países para investigar o que faz as pessoas felizes.
Vou participar das mesas de debate sobre a relação entre cinema e busca de transcendência. Quem me conhece sabe das minhas limitações de materialista agnóstico para abordar assunto de tal magnitude. Mas resolvi aceitar o convite como uma provocação para pensar os recursos de linguagem comumente utilizados para comunicar níveis diferentes de consciência no cinema e a própria expressão do mundo espiritual. Não pretendo entrar – nem parece ser essa a intenção do festival – no terreno das religiões, mas conversar a partir do que Paul Schrader, em seu livro de 1972, chamou de “estilo transcendental”.
Alguns diretores são nomes clássicos nessa área, a começar por Dreyer, Bresson, Tarkovsky, Jodorowsky e Herzog. Nessa lista cabem também Bergman, Rossellini e até Ozu. Pretendo usar conceitos e signos desses realizadores para tentar identificar uma certa semântica da transcendência no cinema, sempre lembrando o paradoxo colocado por Tarkovsky: a transcendência se opõe à materialidade, mas só se pode falar sobre transcendência através de imagens materiais de sua possibilidade.
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Ótima proposta. Esses filmes com alguma conotação religiosa, direta ou indireta, sempre questionam o espectador descrente. Mas acho que questionam mais ainda o que é “religioso concreto”. Aliás, escritores católicos são aqueles que mais parecem questionar o Deus em que insistem em crer. Por exemplo, Bernanos – que Bresson tão bem levou às telas (e Pialat também no mal querido “Sob o Sol de Satã”). Sucesso!