“Melhor não fazer”, decreta Eduardo Coutinho numa conversa com sua montadora Jordana Berg (ela fora do quadro) na cena de abertura de Últimas Conversas. Como fazer um filme com jovens que ainda não viveram quase nada, não têm memória, são castrados pelos pais? “Não posso amá-los”, explica. Logo em seguida, vamos saber que aquela gravação foi feita já no quarto dia de filmagens. Coutinho estava apenas usando o seu combustível habitual: o pessimismo trágico. “Ter fé é difícil”, conclui, meditativo.
É esse combustível que norteia a maioria das entrevistas com meninos e meninas do estudo médio, ou seja, à beira de se despedir da adolescência. Sempre que pode, Coutinho os induz a uma reflexão sobre a descoberta da vida como uma selva, o espanto com o futuro, a presença sorrateira da morte. É natural, para nós espectadores, vermos tudo isso à luz do que viria a acontecer com ele pouco tempo depois. Mas a verdade é que desde O Fim e o Princípio (2006) Coutinho vinha deixando um certo sentimento trágico instalar-se em cada um dos seus filmes.
O retrato de juventude que emerge daquela sala vazia de escola pública carioca, com personagens de classe humilde, é marcado pelos traumas do bullying, do preconceito ou do abuso sexual, por pais separados e ausência da figura paterna e por tudo o que caracteriza a adolescência, fase mais cruel das nossas vidas. Mas há também a contrapartida dos sonhos, das superações, do olhar lúdico para o mundo, do filosofar ingênuo que às vezes desemboca em sacadas da maior profundidade. Independente do contexto pós-filme, este é um dos trabalhos mais comoventes e divertidos da obra de Coutinho.
Ele mesmo, apesar dos resmungos na intimidade, soa extremamente confortável diante de seus jovens entrevistados. Ora sugere um avô xereteiro com suas perguntas exóticas, ora um idoso defasado que se atualiza com a garotada. Mostra-se curioso com celulares, diários, escritos e roupas da galera. Estimula as conversas com visível interesse e se entretém com sinceridade. É o resultado não só da faixa etária de seus interlocutores, como também de um progressivo relaxamento que Coutinho vinha se permitindo em seus últimos filmes.
Uma surpresa fica reservada para a última entrevista, quando o filme quebra seu padrão, tanto em relação à faixa etária quanto à classe social. Esse epílogo delicioso, que encerra a obra do mestre num tom angelical, deixa entrever o que poderia ser um futuro filme seu, impensável à primeira vista, mas quem sabe mais uma obra-prima.
Coutinho morreu poucos dias antes de iniciar a montagem, que afinal foi feita por Jordana Berg sob a supervisão do “terminador” João Moreira Salles. Foi João quem adotou o título de Últimas Conversas. Confesso que tenho dificuldade em assimilá-lo, pois me soa como um título sobreposto, mais ligado à circunstância póstuma que à obra. Além disso, do ponto de vista cronológico, a derradeira conversa de Coutinho como entrevistador de cinema seria gravada posteriormente por Douglas Duarte e está em Sete Visitas, longa integrante da competição do festival. ♦ ♦ ♦ ♦ ♦