Dois filmes que trabalham o erotismo lésbico com resultados opostos: o belíssimo A CRIADA e o fraquíssimo O DEMÔNIO DE NEON
A CRIADA é um espetáculo suntuoso que alia requintes eróticos e a sinuosidade dos grandes dramas orientais. A trama começa evocando Dickens com a jovem ladra contratada por um falso conde para ser a criada de uma rica herdeira e ajudá-lo a seduzi-la. Depois as coisas assumem um ar de Marquês de Sade na descrição da rica e misteriosa mansão onde tudo o mais acontece. Por fim, quando uma inesperada paixão se acende entre as duas mulheres, o filme assume feições de thriller, com o espectador sendo conduzido magistralmente através de um labirinto de traições e armadilhas.
Pode soar ora rocambolesco demais, ora sutil de menos (principalmente na segunda parte, um tanto explicativa), mas a sofisticação de estilo e a luxúria cênica de Park Chan-wook não dão um minuto de trégua aos nossos sentidos. É permanente a expectativa quanto à próxima surpresa do enredo, da cenografia ou da maneira como os atores dão corpo e alma a seus personagens.
Antes de ser adaptado à Coreia dos anos 1930 em A CRIADA, o romance “Fingersmith”, da inglesa Sarah Waters, já tinha sido adaptado a minissérie da BBC em 2005. Consta que as cenas de amor entre as duas mulheres eram tão ou mais quentes que as do filme coreano. Neste, pelo menos, o tórrido encontro de Hideko e Sook-Hee constitui uma ameaça potencial para a lógica masculina, baseada na mentira e na perversão.
Nicolas Winding Refn enganou muita gente com “Drive”, mas desde então vem confirmando que não passa de um manipulador de formas vazias e ingredientes supostamente chocantes. Depois do fiasco do criminal “Só Deus Perdoa”, O DEMÔNIO DE NEON (agora chegando às plataformas on demand) se resume a um ensaio fotográfico de excentricidades gratuitas.
Num dos roteiros mais estapafúrdios que vi ultimamente, a jovem modelo Jesse, pura e perfeita nos seus 16 aninhos, chega a Los Angeles para dar um salto na carreira. Se “La La Land” trata de aspirantes a atriz e pianista de jazz, THE NEON DEMON podia se chamar “La La Lamb”. Jesse (Elle Fanning, irmã de Dakota Fanning) é uma cordeirinha pronta para ser imolada no altar da vaidade e da competição na meca das modelos. Tudo e todos vão constituir uma ameaça em potencial à medida que ela vai provocando deslumbramento e galgando posições com sua beleza natural.
O que poderia ser apenas uma crítica banal à indústria da beleza e seus efeitos predatórios logo descamba para algo bem pior: um péssimo thriller se equilibrando nas bordas do porno-chique e do vampirismo de batom. O coquetel de bizarrices inclui lesbianismo necrófilo e antropofagia anoréxica, tudo protagonizado por atores em postura de robôs, com um excesso de slow motion brega e efeitos visuais que lembram a videoarte da década de 1980. Mau gosto e falta de imaginação também podem desfilar com roupa de griffe.
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Demônio de Neon só veio confirmar minha humilde opinião sobre o superestimado NWR… um poser afetado que alterna planos supostamente sofisticados com breguices que remontam outro superestimado amante dos zoons abusivos e interpretações robóticas, Nicholas Roeg ( de volta do limbo por conta da morte do David Bowie). Aliás, falando do Bowie, lembrei do cafonérimo mix de comercial de calcinhas com triller lésbico vampiresco Fome de Viver ( do Tony Scoth) e aí a trinca fecha; o “cultuado”cinema do NWR é um somatório do maneirismo dos anos 70 com a estética publicitária dos anos 80 salpicado dos piores clichês daquilo que o vulgo chama de filme “de arte”. É um cult prêt-à-porter.
Devo ser um dos poucos que acharam o Drive uma merda embalada em papel de presente luxuoso. Fui xingado de tosco, antiquado etc. Paciente que sou, aguardei o remoer de lábios e o balbuciar incrédulo de decepção dos fãs que não tardou a chegar com aquele indiscritível Só Deus Perdoa. Chutando o balde: NWR é um Leo Carrax piorado.
Disse tudo muito bem, ou quase tudo porque Roeg tem coisas muito boas