“Lou”, um “Jules e Jim” filosófico

LOU trilha o caminho mais tradicional das cinebiografias. Aos 72 anos, doente, enxergando mal e assombrada pela ascensão do nazismo, a psicanalista e escritora Lou Andreas-Salomé (1861-1937) narra sua vida para um jovem datilógrafo. Às vezes arranca o papel da máquina e o queima, assumindo o que poucos assumem: toda biografia é uma seleção de informações, uma meia-verdade. O filme da alemã Cordula Kablitz-Post também faz a sua seleção, privilegiando uma formatação conveniente para o feminismo atual.

Lou é mostrada desde a tenra infância como uma menina inconformada com o papel de “princesinha do papai”. Um trauma sexual na adolescência vai fazê-la jurar nunca ir para a cama com ninguém. Cumprindo ou não o juramento, sua paixão inquisitiva pela Filosofia atraiu o interesse romântico de Paul Rée, Friedrich Nietzsche, Rainer Maria Rilke e do linguista Friedrich Carl Andreas, o único com quem ela se casaria, ainda que em regime platônico. O filme não faz referência a um possível romance com Freud, de quem foi discípula e colaboradora.

A disposição para segmentar seu afeto em várias modalidades a levou a estar com dois ou mais homens ao mesmo tempo. Daí alguns trechos de LOU sugerirem um “Jules e Jim” filosófico, com semelhante sentido de moral. Sendo que Lou projetava nos companheiros a imagem de irmão, pai e tutor, como se precisasse recuperar o que lhe faltou no passado. Mais intrigante ainda é o papel desempenhado pela jovem acompanhante de Lou na velhice, algo que fica reservado para a especulação do espectador até perto do final.

O mais interessante na abordagem das roteiristas Cordula e Susanne Hertel é restituir a Lou o papel de influenciadora dos pensadores com quem conviveu, o que faz dela também uma pensadora, não uma coadjuvante. A forma como isso é feito já não tem tantos méritos. Não se foge muito ao padrão das biografias literárias, em que as ideias parecem brotar antes de diálogos espontâneos que de reflexões árduas das pessoas perante si mesmas. Na comparação com a biografia de Emily Dickinson por Terence Davies, “Além das Palavras”, fica clara a diferença entre a ilustração corriqueira e a busca da essência de um pensamento.

A caracterização do jovem Nietzsche é particularmente vexatória e assemelha-se a um personagem cômico. Bem melhor é a presença de Rilke, que corteja Lou com seus poemas “sentimentais” e inspira a ela uma de suas frases seminais: “Todo mundo deve encontrar o sexo oposto dentro de si”. Se assim fosse, o mundo seria bem mais feliz e compreensivo.

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