O cineasta Rithy Panh tem um tema praticamente único em toda a sua obra: as memórias do genocídio cometido pelo Khmer Vermelho no Camboja na segunda metade da década de 1970. Em filmes como Condenados à Esperança, S21 – A Máquina de Morte do Khmer Vermelho, A Terra das Almas Errantes, Os Artistas do Teatro Queimado, Duch – o Mestre das Forjas do Inferno e A Imagem que Falta, ele abordou o assunto pelos ângulos da tortura, da economia, da cultura e das suas próprias memórias familiares.
TÚMULOS SEM NOME adota o viés da espiritualidade. O documentário é pontuado por rituais de invocação dos espíritos dos mortos para ajudar os vivos a localizarem os seus restos, abandonados no campo. O próprio diretor aparece cercado por monges e xamãs, empenhado em descobrir onde (e se) foram enterrados seu pai, sua mãe e outros parentes. Panh investe numa linguagem repleta de signos místicos, como “aparições” e “desaparições” de imagens, epifanias da Natureza e inserção de fotografias em cenários naturais e na maquete de uma aldeia.
A intenção, ao que parece, é que o filme funcione, ele mesmo, como uma cerimônia de conjuração das almas errantes para, senão apagar a dor de tantos horrores, pelo menos aplacar o trauma nacional, que um dos personagens nomeia como “o carma do Camboja”.
Os ritos religiosos se alternam com depoimentos duros de sobreviventes dos campos de “reeducação” do regime de Pol Pot. Histórias de fome, canibalismo, opressão de homens e mulheres, separações, extermínio e descaso com os mortos são contadas com a consternação de quem, quatro décadas depois, ainda não conseguiu estancar a ferida do coração.
Rithy Panh radicaliza no tom monocórdico de um mantra, em que reminiscências, chamados encantatórios, narração e trilha musical (de Marc Marder) se mesclam na mesma entonação melancólica. O texto narrado em primeira pessoa (na voz de Randal Douc) soa profundamente francês, inclusive por absorver citações de Paul Éluard e trechos da narração de Noite e Neblina, de Jean Cayrol/Alain Resnais.