Falatório maçante

ENTRE MULHERES

As qualidades que supostamente fizeram Entre Mulheres (Women Talking) ganhar indicações aos Oscars de melhor filme e melhor roteiro adaptado estão além da minha capacidade de compreensão. O fato de levar os nomes de Frances McDormand e Brad Pitt na produção executiva pode ter sido decisivo. Mas deve-se considerar também a razão muito contemporânea de ter mulheres falando de si e tomando decisões num contexto de extremo conservadorismo.

Baseado em fatos ocorridos na Bolívia e transformados em livro pela escritora canadense Miriam Toews, o filme de Sarah Polley enfoca um grupo de mulheres de uma comunidade fundamentalista (na realidade, eram menonitas, uma denominação evangélica) que se reúne para decidir o que fazer de suas vidas. Durante anos, elas e suas filhas foram dopadas e estupradas por homens que as acusam de dar asas à “imaginação selvagem feminina”. Algumas engravidaram desses homens, que nunca aparecem em cena. A maior parte dos 104 minutos do filme se passa num palheiro onde elas debatem e votam entre três opções: não fazer nada, ficar e lutar ou deixar a colônia. O único homem adulto presente é um professor que redige as atas das reuniões e não parece ter função minimamente convincente além de servir como testemunha histórica. A semelhança do ator Ben Whishaw com Anthony Perkins fazia minha mente se desviar para Psicose, de Hitchcock.

O título original não podia ser mais literal: mulheres falando. Falando sobre a proibição de pensar e estudar, a necessidade de conservar sua fé religiosa e o dilema entre perdoar os estupradores e deixar tudo como está ou partir e ser excomungadas. Apesar de analfabetas, expressam-se conceitualmente com grande desembaraço. Embora estejam em 2010, em local não identificado, vestem-se com roupas do século XIX, movem-se em carroças e não parecem desfrutar de nenhum artefato moderno. As interações entre elas alternam entre a sororidade e as dissensões internas, a repressão auto-imposta e os desejos refreados de liberdade.

Não é somente o aspecto de mau teatro que torna Entre Mulheres uma experiência extremamente maçante. O roteiro criado pela diretora e a romancista consegue ser ao mesmo tempo redundante e obscuro. As questões são repisadas indefinidamente, ao mesmo tempo que a conjuntura daquele mundo fechado nos é deliberadamente ocultada. Ficamos com o falatório, as lágrimas abundantes e um processo coletivo difícil de assimilar.

A atriz e diretora Sarah Polley já teve melhores momentos muito menos reconhecidos do que esse (Stories We Tell, Longe Dela). Aqui ela patina numa imitação barata dos devaneios audiovisuais de Terence Malick e da tensão concentracionária de A Fita Branca, de Michael Haneke.

>> Entre Mulheres está nos cinemas.

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