Os retornos de Oliver Stone

Shia LaBeouf, Stone e Michael Douglas. Foto: Barry Wetcher SMPSP

Desde a primeira cena – a clássica devolução dos pertences ao presidiário que volta ao convívio da sociedade –, Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme é animado pela ideia de retorno. Em primeiro lugar, o retorno de Oliver Stone ao mundo das finanças e à aura dourada de um filme (Wall Street) que consolidou seu status de “Hollywood angry man” e deu a Michael Douglas o Oscar de melhor ator. É também o retorno de Gordon Gekko ao mercado financeiro, que o expeliu há oito anos, e à proximidade da filha, que o odeia. Aos poucos, veremos como esses dois retornos de Gekko na verdade se confundem, formando o eixo moral da trama.

O filme retorna também, em paralelo, a uma estrutura semelhante à do primeiro Wall Street. Temos de novo um jovem profissional que se deixa envolver, por outros caminhos, nas artimanhas de Gekko. No caso, o seu futuro genro, que repete o misto de ambição e boa-fé de Bud Fox no primeiro filme. As linhas de retorno, portanto, se duplicam, na medida em que o personagem de Michael Douglas retoma o seu lugar e o de Shia LaBoeuf retoma o que era de Charlie Sheen. O espectador se sente na fronteira entre a intimidade do que conhece e a expectativa das diferenças. Afinal, em lugar do auge da especulação dos anos 1980, estamos na iminência do crack de 2008. A crise projeta uma sombra ainda mais densa sobre a imagem de Wall Street.

É curioso que Oliver Stone não faça referências diretas ao governo Bush, talvez por já tê-las feito todas em W., seu filme sobre o ex-presidente. Apesar de referências esparsas ao Federal Reserve (o Banco Central americano), a quebra do sistema é mostrada como um fenômeno sobretudo financeiro, sem a responsabilização clara do poder público. A opção por uma dramaturgia mais fechada em poucos personagens pode explicar essa redução do campo crítico.

Sim, pois esse “Wall Street 2” é também o retorno de Stone a um cinema de espetáculo depois dos mais engajados W., Ao Sul da Fronteira e do “pequeno” World Trade Center. A veia crítica chega a se confundir com o deslumbramento na apresentação dessa Nova York monumental e luxuosa. Os planos aéreos e as trucagens grandiloquentes sobre e ao redor dos prédios da cidade são de tirar o fôlego e mesmerizar o olhar.

A primeira metade do filme sacia o espectador saudoso das experimentações narrativas do diretor em filmes como JFK, Reviravolta e Assassinos por Natureza. A tela se fragmenta para expressar a dinâmica e a tensão do mundo dos especuladores, com cifras invadindo rostos, fachadas e ruas, num frenesi expressionista que sublinha a potência audiovisual de Stone. Pena que essa linguagem vá se diluindo para dar lugar a um filme mais conservador e dramaticamente balofo à medida que os personagens caminham para soluções de compromisso e uma meia-hora final bastante decepcionante.

2 comentários sobre “Os retornos de Oliver Stone

  1. Carlos,

    De uma forma mais sintética podemos ver este filme de final realmente decepcionante como “De como Lobo Mau se Transforma em Vovô Bonzinho”. O que se vê por fim, dramaturgicamente, é uma forçação de barra. Não há uma evolução consistente dos personagens. Já uma das pedras de toque do roteiro é um truque muito forte: justamente um jovem ambicioso que trabalha com especulação financeira é que vai namorar a filha de Gekko ( Michael Douglas), que é odiado por ela ( que nem foi recebê-lo na saída da prisão) e o jovem passa a ser uma espécie de pupilo. O que salva, em parte, o filme são as tomadas aéreas deslumbrantes e os gráficos de queda da bolsa valendo-se dos contornos dos prédios, como marcos fictícios de diagramas estatísticos. Stone deveria ter trabalhado bem mais seu roteiro para esta volta ao universo de Wall Street,suas neuroses e responsabilidades, para não cair num final piegas que quer comungar a fórceps com os ideais otimistas da era Obama, ainda que não tenha se referido à política explicitamente no filme.

    Abraços,
    Nelson

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