Na última cena de E Se Elas Fossem para Moscou?, as três atrizes da peça se deslocam de um andar para o outro. No mezzanino do Espaço SESC-Copacaba, lugar do teatro, os espectadores passam a vê-las num telão. No primeiro andar, a plateia do filme as recebe ao vivo. O plano que anuncia essa chegada é de uma pequena piscina, uma superfÃcie lÃquida que favorece a passagem, a fluência entre a presença virtual e a fÃsica. A água, elemento onipresente no espetáculo (banhos, chuva, bebidas), é uma metáfora dessa passagem de um estado a outro – da peça para o filme, da festa para a dor, do destino para a utopia.
O novo trabalho de Christiane Jatahy é um grande passo na sua pesquisa sobre as fusões e complementaridades entre cinema e teatro. Ela já brincou com o ponto de vista do espectador teatral em CarÃcias (2001), combinou documentário e performance na peça Conjugado (2004), duplicou com um filme a experiência semidocumental de A Falta que Nos Move (2005/2011), editou ao vivo e a cada dia de maneira diferente a ação da peça Corte Seco (2009) e fundiu cinema e teatro no palco de Júlia (2011). Em E Se Elas Fossem para Moscou?, a proposta é menos de fusão que de rompimento, trânsito e simultaneidade.
Dois espaços e duas plateias radicalmente separados: um teatro e um cinema. Antes de mais nada, você precisa fazer uma escolha. Se for ao teatro, verá uma espécie de set de filmagem e perceberá que, enquanto assiste à peça, várias coisas estão sendo feitas não para você, mas para quem está assistindo à transmissão no cinema. A impressão de estar diante da cena e tudo ver se torna, como diz uma música cantada na peça, “illusions of my mind”. Não é possÃvel ver e ouvir tudo o que se passa nos vários espaços do palco.
Se for ao cinema, você vai ficar condicionado pelas escolhas da diretora, que edita as imagens e mixa o som na hora. Assim, você vai mergulhar em mais detalhes da trama, mas não terá a liberdade de flutuar o olhar pelo palco e escolher entre algumas ações simultâneas. Em qualquer das opções haverá sempre alguma perda, o que tem muito a ver com o que está em cena.
Esta é uma montagem livremente atualizada de As Três Irmãs, de Tchekhov. A solteirona Olga (Isabel Teixeira), a casada e insatisfeita Maria (Stella Rabello), e a jovem Irina (Julia Bernat) se reúnem para festejar os 20 anos dessa última, um ano depois da morte do pai. Cada uma tem seus sonhos e seus fantasmas. Na peça de Tchekhov, desejam voltar para Moscou, onde tiveram uma infância feliz. Aqui Moscou é só um destino meio exótico, citado rapidamente. Não há um local definido para a ação, mas há sim um tempo: o presente fugaz que, uma fração de segundo depois, ao chegar na tela do 1º andar, já é passado.
Estamos no tempo dos aplicativos de celular, do punk rock e das relações amorosas autodestrutivas. As três irmãs representam estágios diferentes de insatisfação e busca afetiva. Cada uma desejaria estar em outro lugar, ou quem sabe ter uma nova vida passada a limpo. Mudar para ser outro ou talvez continuar a ser a mesma coisa, mas em outro suporte, como uma peça e um filme colhido da peça. A piscina na qual, em algum momento, cada uma delas se banha é o que conecta as duas dimensões.
A operação de Christiane é simples, mas muito engenhosa, e gera resultados fascinantes. A partir do artifÃcio de Irina estar filmando (de fato) sua festa de aniversário, duas outras câmeras complementam o trabalho de captação. Uma delas é afixada em diferentes pontos, de acordo com a decupagem do filme. Outra é carregada por um quarto personagem, Alexandre (Paulo Camacho, diretor de fotografia), de tal maneira que o filme o mostrará quase sempre como uma câmera subjetiva. Quem conversa com ele estará falando diretamente com o espectador. O uso de câmera na mão e o naturalismo radical das interpretações criam um estilo que lembra o dos filmes do Dogma 95.
O tempo da peça é ajustado ao tempo do filme e vice-versa, num processo em que é difÃcil saber qual teve a prioridade. Os planos fechados da câmera reforçam o intimismo de certas cenas, o que não pode ser expresso plenamente no palco aberto. Há um curioso intercâmbio de falas on e off entre a peça e o filme. Em vários momentos, o que é apenas ouvido na peça será visto no filme. Em outros, conversas apenas entreouvidas no palco são perfeitamente entendidas na tela. Microcenas que no palco são apenas paralelas tornam-se ação principal no filme. Isso garante, portanto, um coeficiente de originalidade para cada um dos formatos.
Na peça, a interação com a plateia envolve comida, bebida, dança e até ajuda no posicionamento de uma câmera. No filme, o espectador está passivo e dependente da edição. Essas diferenças apontam para a especificidade de cada situação e convidam o público a experimentar as duas.
Voltar ao espetáculo numa sala diferente funciona, então, como uma revisita a outra camada do que se passa em cena. Mas é sobretudo um reencontro com personagens absorventes e encantadoras. A performance das atrizes é excepcional cada uma no seu tom, mas formando uma unidade familiar cheia de verdade apesar de suas arestas. Os aplausos finais, com as duas plateias confrontadas nesse entre-espaço mágico, são um cumprimento à inteligência de Christiane Jatahy e um elogio da vida tornada arte.
Neste sábado à s 11 da manhã no Instituto Do Ator : OTHON BASTOS debate sobre seu trabalho de ator no cinema e em especial em São Bernardo e Deus e o Diabo na Terra do Sol!!! ImperdÃvel! Entrada aberta e gratuita!
Celina Sodré *Instituto do Ator* *Studio Stanislavski* 00 55 21 32518920 00 55 21 997548884
ImperdÃvel mesmo. Pena que vou perder por estar fora da área no sábado.
que interessante, fiquei curioso.abs