MICHELLE E OBAMA e A ECONOMIA DO AMOR fazem a crônica do desabrochar e do fenecimento dessa entidade chamada casal.
Há umas poucas razões para simpatia em torno de MICHELLE E OBAMA. O fato de ser uma produção pequena, independente, sem qualquer pompa hollywoodiana, combina bem com a imagem do casal. O recorte radical – apenas uma tarde-noite do verão de 1989 – confere ao filme do estreante Richard Tanne uma leveza semelhante aos passeios românticos de Richard Linklater na série “Antes…”. Naquela tarde de 1989 em Chicago, na qual a paquera passou à fase do romance, o filme procura condensar o máximo de informação sobre o passado dos dois e todas as possíveis insinuações do grande destino que os esperava.
Mas são bem maiores as razões para tudo aquilo não passar de uma rematada mistificação e uma das ideias mais supérfluas a terem surgido no cinema americano ultimamente. O jovem Barack (Parker Sawyers), com seu carro desmantelado e lábia articulada, e Michelle (Tika Sumpter, também produtora do filme), toda elegância e falsas objeções, estão ali como meras idealizações. Limpinhos, conscientes e seguros de si. O périplo vesperal os leva a todos os pontos passíveis de mostrar quão interessantes, bem-intencionados e conectados com a cultura afro-americana eles são: uma exposição de arte africana, uma preleção sobre o pintor Ernie Barnes, uma matinê de “Faça a Coisa Certa” (Spike Lee), um poema da autora negra Gwendolyn Brooks, um elogio de Stevie Wonder. E, claro, uma reunião comunitária em que o advogado e futuro presidente exibe seus dotes de oratória e bom senso político.
Não faltam oportunidades para Michelle dar algumas lições de conduta ao quase-namorado, deixando clara a dívida de Barack a essa inspiradora união. Mas o dia não terminará sem que ela sucumba ao charme dele e nós, espectadores, nos perguntemos o que, afinal, esse filme quis nos mostrar. A não ser pelo fato de que vê-lo agora, logo depois da vitória de Trump, é como dar um adeus melancólico aos bons propósitos que não chegaram a se cumprir para os EUA e o mundo.
A ECONOMIA DO AMOR (L’Économie du Couple) ganhou um título internacional interessante: “After Love”. O que vem depois do amor para um casal que já não se tolera mais e, no entanto, segue vivendo sob o mesmo teto? Marie (Bérénice Bejo) e Boris (o ator e cineasta Cédric Kahn) continuam ligados por outros fatores: duas filhas gêmeas – signos do inseparável – e a inferioridade financeira do marido, que detona uma luta de classes entre os dois. A necessidade de partilha se estende da privacidade no banheiro e a segregação das prateleiras da geladeira à posse do apartamento e à disputa pelo afeto das crianças e dos amigos comuns. Depois do amor, fica a guerra.
O diretor Joachim Lafosse disseca a situação em várias frentes sem explicar muito as razões do fracasso conjugal. Isso pouco interessa, assim como os pontos cegos no comportamento de Marie e nos envolvimentos externos de Boris. O roteiro cria boas áreas de ambiguidade para os personagens: o que estaria por trás da determinação dela em se separar? Quanto de vitimização se coloca nos argumentos quase marxistas dele sobre a natureza da riqueza e o valor do amor?
O filme dribla espertamente algumas armadilhas do gênero “casal em crise”, preferindo o aprofundamento das contradições às soluções mágicas. Destaco também a exímia linguagem naturalista da direção, com uma câmera fluida no encalço dos atores em longos planos-sequência móveis e a provável contribuição do elenco para forjar uma atmosfera convincente de vivência familiar em quadro de instabilidade.