Não poderia haver despedida mais bonita para Nelson Xavier do que esse papel de um pistoleiro aposentado, com aquele derradeiro close que encerra COMEBACK (acima) e nos deixa apunhalados de saudade. O grande ator brasileiro, um dos mais elegantes e sutis do nosso cinema, dá mais uma aula de comedimento e absorção de personagem. Ele é Amador, que vive sozinho na periferia de Anápolis (GO), sua arma enguiçada e encostada aparentemente para sempre. Sobrevive de intermediar o aluguel de máquinas de aposta em bares da região. Orgulha-se dos seus “feitos”, colecionados num álbum que terá funções diversas no desenrolar dos acontecimentos.
COMEBACK se impõe, antes mesmo de ser por Nelson, pelo conceito bem desenvolvido em todas as esferas. A ideia da volta de Amador ao seu antigo ofício (o “comeback”) é cultivada cuidadosamente através das músicas, de providências materiais e de pessoas que vêm ao seu encontro – entre elas um jovem aprendiz e uma dupla de cineastas à procura de consultoria. Com justa calma e parcimônia, o roteiro vai costurando esses indícios no rumo da grande virada.
Há o contraste entre o subtexto de violência, com uma pequena máfia goiana agindo mais ou menos às claras, e o ambiente pacato do lugar, com as conversas de idosos se estendendo em detalhes e circunvoluções banais. Ora se chega perto de uma comédia geriátrica, ora se entra pelo thriller senior, em ritmo de baile antigo. Bolerões de Altemar Dutra e canções latinas ajudam a temperar a receita de um bolo para ser comido sem pressa, saboreando-se cada pedaço. E Nelson mais uma vez deixava claro que bastava fazer muito pouco para ser grande diante da câmera.
Do arcabouço narrativo impecável, afeito tanto ao western quanto ao mafia movie, cabe lamentar apenas um erro de montagem que faz desaparecer um personagem importante numa cena de tiroteio.
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