A primeira personagem a aparecer em CANÇÕES EM PEQUIM entoa em português Se Essa Rua Fosse Minha. Mais adiante ela vai voltar à cena e saberemos a razão. Os demais treze “performers” do filme cantam em chinês, mongol e dialetos como o miau. Uma senhora canta até sem letra, como faz desde menina, em busca de algo mais sutil e ligado à imaginação.
A diretora brasileira Milena de Moura Barba, formada na USP em Letras (Português-Chinês) e mestranda de documentário na Academia de Cinema de Pequim, tomou de empréstimo o modelo de Eduardo Coutinho em As Canções. Gente comum num palco nu canta uma canção importante em sua vida e explica os motivos da escolha. É um dispositivo clássico de buscar a emoção pela memória musical, fazendo com que o passado se reencarne diante da câmera.
À exceção do formato da cadeira, cujo espaldar parece nos lembrar de que estamos na China, tudo o mais é idêntico na disposição da cena. A diferença é que Milena não parece se esforçar tanto quanto Coutinho para extrair as histórias dos seus entrevistados. Afora uma ou outra exceção, os chineses têm mais carisma e desenvoltura que a média dos brasileiros no filme original. Sem falar no repertório de gestos, que é um atrativo à parte.
Além disso, os exemplos de relação entre música e lembrança também são mais variados, indo do orgulho de um militarista ao brigão que mudou de vida depois de ser instado por uma garota a ouvir uma música de Enya. Em dado momento, Milena emula também Últimas Conversas ao escalar uma menina encantadora que gosta de cantar “bem alto” e sabe muito bem a diferença entre cérebro e coração.
Justamente por colar tanto ao trabalho do mestre Coutinho, Milena ficou devendo um crédito que explicitasse essa inspiração. No mais, transportou com felicidade uma ideia capaz de florescer em qualquer lugar. Quem sabe uma franquia “As Canções” para colher pedaços de vida ao redor do mundo?