Seguindo-se ao bonito Salto no Vazio, o casal-arte Cavi Borges e Patricia Niedermeier avança em sua anunciada trilogia “Filmes de Viagem” com um salto no mistério do desaparecimento. REVIVER, apesar da promessa contida no título, é um pequeno estudo do fim.
O novo e conciso longa se pauta por uma dualidade radical entre dois criadores. De um lado, uma artista visual (Patricia) que desapareceu enquanto fazia uma pesquisa sobre o fogo. Seu apartamento incendiou-se e ela sumiu sem deixar vestígios. De outro, um roteirista (Jorge Caetano) encarregado de escrever um filme sobre ela no prazo exíguo de um edital. Pressionado pelo produtor, ele está estagnado na página 1 do roteiro.
Essa dualidade é expressa em vários níveis. Enquanto Maria Guaranis só é vista em vídeos gravados durante sua estada em São Luís e nos Lençóis Maranhenses, o corpo sempre miscigenado com a natureza e a cidade, o roteirista Greg aparece encerrado em seu apartamento, às voltas com aqueles vídeos e demais materiais que deverão inspirá-lo. Ela em constante estado performático; ele aprisionado num naturalismo asfixiante. As passagens súbitas entre uma temperatura e outra sublinham o contraste, mas aos poucos começa a tomar forma um esboço de simbiose.
REVIVER pode ser visto (ou pelo menos eu assim o vi) como um devaneio sobre a contaminação do artista por seu objeto. Maria é engolida, se não pelo fogo que pesquisava, pela ideia de uma consumição rápida e repentina, como a propiciada pelas chamas. Greg, por sua vez, é arrastado pela pulsão de desaparecimento de Maria. Um desaparecimento que se expressa na crise criativa, na paralisia e na obsessão.
Quanto mais nos aproximamos do final, mais toma corpo essa leitura. A derradeira corrida de Patricia na areia, acompanhada pelo cinegrafista com as mesmas oscilações, sugere uma homogeneidade entre quem filma e quem é filmado. Da mesma forma, as últimas imagens dos protagonistas, que evocam o Persona bergmaniano, parecem confirmar o mote da imbricação dos personagens.
Embora às vezes exponha seus conceitos em diálogos um tanto frontais e didáticos, o filme (roteirizado pelos dois atores principais) se escora em boas interpretações e numa visualização exuberante das praias e dunas maranhenses, razão da presença da Lume de Frederico Machado na produção.
Mais que tudo, esse filme parece animado por uma frase dita por Maria Guaranis: “Às vezes o que se encontra é muito mais forte do que aquilo que se saiu para buscar”. Esse deveria ser o espírito de toda viagem, mesmo as do cinema.
Liberado no Vimeo, o filme já pode ser visto na íntegra:
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Muito obrigada pelo belíssimo texto!
Uma grande honra seu olhar generoso e profundo sobre nosso trabalho!!!
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