JOIAS BRUTAS na Netflix
A passagem da primeira para a segunda sequência de JOIAS BRUTAS (Uncut Gems) já diz um bocado sobre seu pique vertiginoso: de uma mina de pedras preciosas na Etiópia somos jogados para o interior do cólon do joalheiro Howard Ratner durante um exame em Nova York. A colonoscopia é somente um grão de areia nas agruras que ele vai passar nos próximos dias, enquanto tenta levar uma pedra bruta de opala a um leilão para saldar uma dívida com o cunhado mafioso e livrar a pele.
Adam Sandler, o notório comediante, confirma ser ótimo ator dramático, como já havia demonstrado em Embriagado de Amor, de Paul Thomas Anderson. O Oscar, no entanto, o esnobou pelo papel desse perdedor nato, propenso a entrar em todas as confusões possíveis, confiando que um milagre o salvará no último minuto. Viciado em apostas, Howard negocia a opala com o astro do basquete Kevin Garnett (fazendo uma versão ficcional dele mesmo) e vive momentos de estresse máximo em várias frentes. Uma delas é com a sua funcionária e amante Julia (estreia da sensual Julia Fox, ex-estilista, ex-modelo Playboy e ex-dominatrix).
O nome de Martin Scorsese na produção executiva parece transbordar para o estilo dos irmãos Benny e Josh Safdie, que dirigem o filme e o escreveram junto com Robert Bernstein. A dialogação intensa e ríspida, com mais “fucking” do que qualquer outra palavra, e a montagem nervosa das ações sugerem um Scorsese ligado em voltagem extrema. O espectador é arrastado pela celeridade do ritmo visual e oral para acompanhar Howard em sua insana jornada multitarefa. A direção é brilhante, assim como quase tudo nesse filme arrebatador. Para mim, foi uma revelação depois do indigesto Bom Comportamento.
E de que fala, no fundo, JOIAS BRUTAS? Fala do sistema de pensamento capitalista, que explora os produtores de commodities, visa as “jogadas” para o lucro fácil e se organiza em pequenos grupos de poder, ganância e violência. Howard é o típico gambler, o cara que acredita na sorte e na capacidade de dar a volta no destino. Descendente de judeus russos, Adam Sandler fica à vontade para satirizar a comunidade judaica, tradicional comerciante de joias. O almoço de Pesach em família é uma das cenas mais hilariantes e provocativas. Mar 2020
Pingback: O ano em que vivemos em perigo | carmattos
Pingback: TV CORONAS | Das Lutas
Pingback: Quarentena na Netflix (2) | carmattos