Helena, Grace, Karim

O Instituto Moreira Salles convidou artistas brasileiros a criarem obras para serem exibidas online no Programa Convida. Três trabalhos da área de cinema chamaram minha atenção, dirigidos por Helena Ignez, Grace Passô e Karim Aïnouz.

Helena e Grace são duas grandes atrizes-diretoras que performam lindamente nos seus curtas. Helena encena uma manhã de quarentena no seu apartamento de São Paulo. “O isolamento social pode nos ajudar a escolher a melhor versão de nós mesmos”, diz, entre outros solilóquios que reafirmam sua inconformidade com os sistemas. Ela escolhe, então, ser vista vestindo várias blusas uma por cima da outra, preparando o café da manhã, batendo panela contra “Bolsonaro assassino” e dançando como uma menina de frente para seu jardim de inverno. Fogo Baixo, Alto Astral é o título do curta, que tem câmera e montagem do genro André Guerreiro Lopes.

Em República, Grace Passô demonstra seu extraordinário talento em mais um solo antológico. Ela faz uma mulher que acorda no meio da noite com a notícia de que o Brasil não existe, é apenas um sonho de alguém que pode acordar a qualquer momento. Ao contrário do que se poderia imaginar, a sensação dela é de um profundo alívio – e assim exprime o que tantos de nós desejaríamos: que tudo fosse um pesadelo a ponto de terminar. Gravado e montado por Wilssa Esser, o curta tem a proposta sempre intrigante dos textos criados por Grace para cinema e teatro. Uma inquietação metafísica e uma visceralidade que só essa gigante da interpretação é capaz de botar em cena.

A imagem acima abre o último curta de Karim Aïnouz. Mas não se trata de um libelo político direto. Projeto Perséfone é uma ficção científica transcorrida no ano de 3020, ou seja, um milênio depois que “a grande pandemia” quase dissipou a vida humana – e talvez também animal – no planeta. Os sobreviventes vivem agora numa Superterra, onde não reinam mais o capital e a mercadoria. Uma nave é enviada à Terra para missão arqueológica e acautelatória, “para que os céus nunca mais caiam”. A construção se dá por um engendramento engenhoso de tomadas em locais desertos, arquivos da Nasa e material antigo em Super 8, tudo envelopado por um desenho sonoro/musical insinuante e uma narração em voz feminina. Ao fim e ao cabo, é sim um filme político que sugere a pandemia como corolário de uma Humanidade em vias de extinção. O #ForaBolsonaro ecoa, para nós, como condição de sobrevivência.

Agradeço a dica do Cássio Starling Carlos e destaco esse trecho do seu comentário sobre o filme de Aïnouz: “O céu, a viagem, o abismo, o futuro e o invisível são dimensões às quais Karim Aïnouz já foi e nos levou.”

Vejam mais filmes e outras obras do Projeto Convida aqui.

Um comentário sobre “Helena, Grace, Karim

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