Visitar antigos campos de concentração é o que se poderia chamar de antiturismo. Mas, para quem vai à Polônia, especialmente quando se é filho de um pai judeu, a vontade de conhecer Auschwitz-Birkenau é praticamente inevitável. Assim foi comigo em 2004, quando fui a Varsóvia, Cracóvia, Gdansk e outras cidades polonesas.
Uma comoção forte nos afeta ao passarmos pelo portão de ferro onde se lê “Arbeit macht frei” (O trabalho liberta), o grande eufemismo com que os nazistas dissimulavam sua usina de extermínio. Enquanto caminhamos pelas alamedas sinistras entre barracões, cercas de arame farpado e torres de vigilância, o ruído dos nossos passos no chão de cascalhos nos remete aos anos 1940, quando tantos passaram por ali a caminho da morte. Um muro usado para fuzilamentos é parte desse trajeto.
A entrada em um dos crematórios é outra experiência difícil. Conserva-se muito do ambiente soturno entre paredes riscadas na época, lâmpadas mortiças, as bocas de gás no teto e os fornos de cremação. Mais adiante, passamos ao museu propriamente dito, onde nos defrontamos com as pilhas de malas, cestos, sapatos, óculos, escovas de dentes, canecas, muletas e – suprema morbidez! – cabelos dos mortos no Holocausto, que eram raspados para confecção de mantas, tapetes, cordas e colchões.
Auschwitz também expõe o local e a forca em que Rudolf Höss, primeiro comandante de Auschwitz (não confundir com Rudolf Hess, vice-líder do Partido Nazista), foi executado em 1947.
A visita ao inenarrável prossegue no campo próximo de Birkenau, ponto de chegada da ferrovia que levava aos dois campos. Ali podemos adentrar um dos barracões dormitórios que tanto frequentam a iconografia do Holocausto.
No vídeo que editei agora, 17 anos depois, incorporei algumas imagens de arquivo e usei a música sombria que Philip Glass compôs para o filme The Secret Agent (1996), de Christopher Hampton.
Comentário de Maria Cristina Valente:
“Meu amigo, não sei nem o que dizer… Seu vídeo é incômodo (embora essa palavra seja simplista demais) como deveria ser qualquer menção aos horrores do nazismo. São silêncios ensurdecedores ou sons que nos calam, como os passos nos cascalhos, por caminhos que, infelizmente, a humanidade insiste em percorrer. Visitei o campo de Sachsenhausen, na Alemanha, onde o cheiro de queimado em um dos barracões, resultado de um incêndio provocado por atos antisemitas em 1992, nos sufoca com a certeza de que nada disso ficou para trás… O horror está sempre à espreita, buscando brechas, criando corpo… A abertura do seu vídeo me lembrou uma das “atrações” do Museu Judaico de Berlim: a obra Folhas Caídas, formada por milhares de peças de ferro representando diferentes rostos. Caminhar sobre elas provoca um som angustiante, como os passos nos cascalhos. Também na Alemanha, no campo de Buchenwald, vi uma das coisas mais horrendas que alguém já possa ter feito: a régua de medição com uma abertura oculta que garantia o assassinato com um único e certeiro tiro na nuca, sem desperdício de munição e sem que o prisioneiro sequer percebesse… Seu passeio por Auschwitz me trouxe de volta todas essas lembranças, com o mesmo gosto amargo na boca. Em Budapeste, também fiquei sem palavras diante dos sapatos do Danúbio, obra que representa os milhares de judeus mortos afogados no rio. Também para economizar munição, eles eram amarrados uns aos outros, depois de tirarem os sapatos, às margens no rio. Com um único, a primeira vítima baleada caía e arrastava consigo todas as outras. Nunca mais o Danúbio foi Azul… Eu nunca entendi tamanha monstruosidade. E nunca imaginei que essas águas moveriam novamente tantos moinhos… A “sessão da tarde” de hoje foi particularmente emocionante. Incômoda, mas emocionante”.
Chocante Fui a Auschwitz e nao suportei conhecer estes horrores…
Grato por partilhar. Verei, com certeza.