As duas vidas de Veronika

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Se Paulo Coelho escrevesse melhor, talvez não fosse tão bem-sucedido. Por que digo isso? Porque a inanição criativa, a incapacidade (e desinteresse) em descrever as coisas e esculpir personagens acabam criando um vácuo propício ao sucesso de seus livros. À falta de boa literatura, o vazio é preenchido pela dança pobre dos conceitos e definições prêt-à-porter. Isso causa boa impressão nos que o leem em busca de ideias simples, assertivas e “universais”. Suas histórias provocam ondulações como aquelas pedras rasantes que atiramos na água,  justamente porque não vão além da superfície, seja no conteúdo, seja na linguagem.

Não falo de cadeira, pois li apenas dois de seus livros. Um foi o thriller O Vencedor Está Só, que tem passagens divertidas na história de um serial killer agindo durante o Festival de Cannes. O outro foi Veronika Decide Morrer, tido por alguns como seu melhor romance. Não é de todo mau, apesar da profundidade de uma forma de pizza. O que mais me incomodou foi a crítica populista da sociedade padronizada, que tenderia a ver todo ser “diferente” como um louco em potencial. Aquele velho clichê que deve fazer Foucault se contorcer na tumba. 

O livro já tinha sido levado às telas no Japão em 2005, com o título de Veronika wa shinu koto ni shita. Esta versão da inglesa Emily Young, em cartaz no Brasil antes mesmo dos EUA, é a primeira adaptação de Paulo Coelho a circular internacionalmente. E consegue piorar bastante o livro, simplesmente porque é obrigado a dar forma – física, visual e sonora – ao que no livro se salvava pela abstração. Assim, temos uma clínica completamente inverossímil, onde loucos e sãos se misturam (a explicação só está no original). A transposição da Eslovênia para Nova York também acentua o despropósito e não acrescenta nada em troca. Desapareceu até a contingência de internos voluntários, que pagam para permanecer além do tempo do tratamento, o que no livro era um comentário curioso sobre a medicina capitalista.

Na parábola auto-ajudante de Coelho, loucos são os que saíram do padrão e não conseguem se comunicar. Para demonstrar isso, ele trabalha com personagens fronteiriços (depressivos, culpados, inadaptados, suicidas) que podem se curar por passes mágicos de Amor, Compaixão, Coragem, Entrega etc. Tudo sublinhado em diálogos de guru-discípulo, que, ditos em viva voz, soam como “pensamentos” de menina-moça.

A história é quase totalmente deserotizada e tem seu final feliz multiplicado por dois, à força de lugares-comuns retirados como coelhos (desculpem) da cartola. O elenco tampouco colabora. Sarah Michelle Gellar parece confrontar etapas de um Big Brother em vez de uma séria crise depressiva e a proximidade da morte. A veneranda Barbara Sukowa (Rosa Luxemburgo, Lola de Fassbinder) faz uma surpreendente aparição como a mãe de Veronika. Os demais têm participação sonambúlica. De resto, o clima de sonambulismo só é interrompido por uma trilha sonora que acaricia os ouvidos para o comprimido descer redondo.

A essa altura, há quem diga que Paulo Coelho, ele sim, está ficando maluco. Na última segunda-feira, dia de seu aniversário, ele presenteou os leitores disponibilizando três novos livros para download no seu blog, em até cinco línguas diferentes. Mas só até amanhã, 26 de agosto. São livros que, ele garante, não serão editados comercialmente antes de dois anos. Do alto de seu sucesso fenomenal, o Mago inverte a lógica do consumo cultural: primeiro, de graça. Não duvido que seus consultores e editores já tenham concluído ser essa uma grande estratégia de vendas futuras. De qualquer maneira, parece uma decisão corajosa e elogiável. Paulo Coelho não está louco. Ele é só “diferente”.

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