A imagem de um velho bonde em movimento é capaz de instaurar clima poético imediato numa tela de cinema. Agora imagine uma sucessão vertoviana de belíssimas tomadas de bondes cruzando as ruas do centro do Rio nos anos 1940. Junte a isso um tratamento sonoro evocativo, em que o bate-bate gostoso dos bondes se soma a ruídos de gente, anúncios radiofônicos da época, trechos de músicas e de locuções esportivas, e até as ácidas regras que Machado de Assis escreveu para os usuários daquele meio de transporte.
Assim é Na Trilha do Bonde, um camafeu de meia-hora que vai ser lançado nesta sexta-feira, às 18h30, na Cinemateca do MAM. Saíram daquele acervo as dezenas de travellings e panorâmicas que Virgínia Flores (exímia editora de som e imagem) reuniu, em parceria com Alexandre Fenerich e Rodolfo Caesar. A partir de filmetes desencontrados – rodados provavelmente pela Light, que detinha a concessão das linhas de bonde –, eles compuseram uma suíte audiovisual que nos transporta para uma cidade mais amável, elegante e muito, muito menos poluída.
A maior parte das cenas foi filmada através do parabrisa de um carro, que segue o percurso dos bondes. Por esse túnel do tempo, vamos cruzando também com o descontraído movimento dos pedestres, os “pongadores” (que embarcavam no bonde em movimento), os caroneiros com suas bicicletas, os antigos lotações, o caminhão do gasogênio. E lá vão velhos cinemas, grandes lojas do passado, letreiros e fachadas que são pura memória. É filme para se ver mais de uma vez, congelando a imagem para degustar os detalhes e usufruindo a riquíssima edição sonora, toda reconstituída em requintado surround 5.1.
Nos minutos finais, damos um salto para cerca de 10 anos à frente, quando o ar já sufoca com os jorros de fumaça dos ônibus. Assim, a mera nostalgia de até então se transforma num libelo ambiental. A energia limpa dos bondes é parte da saudade desse Rio que ficou apenas nas cinematecas.
Pingback: Aqui e ali, no Cinesul « …rastros de carmattos
Pingback: Doando catálogos, livros e filmes « zani zani
Felizmente na apresentação de Na Trilha do Bonde, tive a oportunidade de conhecer a sensibilidade de Virginia, após a apresentação, verifiquei a Calêndula Estonteante que é Virginia, você foi capaz de me levar em uma viagem através do mosaico de imagens e sons que se interpenetram no tempo; primazia somente para quem consegue serpentear pelos sentimentos humanos e nos levar a vivenciá-los em plenitude.
Saudações ao Alexandre e Rodolfo.
Parabéns Radiante Virginia.
Virgínia, essa é pra responder logo!
Que ótima dica! (recebi do @ismaelcordeiro)
Obrigadão e um abraço.
– c.a.t.