Linduarte e as intrigas paraibanas

Eliane Giardini em "O Salário da Morte"

A história do cinema na Paraíba tem lances épicos como Aruanda e O País de São Saruê, mas também pode ser contada pelo lado da intriga provinciana. E, em ambos os casos, envolve com frequência o nome de Linduarte Noronha.   

É bem conhecida a polêmica em torno do roteiro de Vladimir Carvalho e João Ramiro Mello para Aruanda (1960), cujos créditos não foram reconhecidos por Linduarte. Cinco anos depois, quando passou por João Pessoa para rodar Menino de Engenho, Walter Lima Jr. sentiu a ciumeira da turma de Linduarte. Este enviou uma carta a Glauber Rocha falando de “balé de intrigas” a respeito do filme na Paraíba. “Todo mundo é produtor da fita. Notícias as mais cavilosas circulam nos jornais diários”.  

Depois de iluminar os cinemanovistas iniciantes com o seminal Aruanda, Linduarte Noronha manteve forte influência no meio cultural paraibano mas só fez mais dois filmes: o curta doc Cajueiro Nordestino e o longa fic O Salário da Morte. Estranhei a ausência de qualquer menção a este último no programa que Manfredo Caldas fez sobre Linduarte para o Canal Brasil. Mas o motivo, eu já podia intuir.

Há algum tempo vi o média-metragem Lição de Fogo, realizado por Larissa Claro, com roteiro dela e do jornalista Renato Félix. Trata-se de um doc simples, mas que tem o mérito de jogar luz sobre a tumultuada produção desse primeiro – e esquecido – longa-metragem paraibano.

O projeto de O Salário da Morte nasceu em 1970 numa agência do Banco do Brasil da pequena cidade de Pombal, onde trabalhavam o ator e artista plástico W. J. Solha e o escritor José Bezerra Filho, autor do livro original, Fogo. Para adaptá-lo ao cinema, Bezerra e Solha escreveram um roteiro, fundaram uma empresa, venderam cotas e botaram seus salários na produção independente. Linduarte Noronha, claro, seria o diretor.

A história tratava de uma família que escondia um criminoso e passava a ser perseguida pelo sindicato do crime. A solução de tudo se anunciava com o retorno do filho mais velho. Mas o primeiro roteiro foi posto de lado (Linduarte diz que nunca viu) e as desavenças começaram. Lição de Fogo confronta relatos e opiniões, praticamente reencenando o confronto de ideias e métodos que marcou a realização do filme. Linduarte e seus novos co-roteiristas, influenciados pela Nouvelle Vague, imprimiam um ritmo desacelerado, boicotavam a figura do herói e criavam metáforas para substituir chaves de dramaturgia tradicional. Os produtores não entendiam, anteviam um fracasso. Para assumir a direção, chegaram a chamar Vladimir Carvalho, que preferiu se manter fiel à não-ficção.       

O filme foi concluído com a amabilidade de uma floresta de espinhos de mandacaru. Os intelectuais elogiaram, o público não deu bola e Linduarte hoje diz que nem se lembra. “Precisava rever”. Solha e Bezerra trabalharam dois anos no Mobral para pagar as dívidas. A história toda está contada nesse importante doc feito por alunos de Comunicação da UFPB.

É uma pena que O Salário da Morte esteja encostado na prateleira de alguma cinemateca. A julgar pelas imagens selecionadas por Larissa e Renato, era uma experiência curiosa de diálogo entre os cinemas de gênero e de autor. Tinha fotografia do intuitivo Manuel Clemente (O País de São Saruê), música do grande maestro Pedro Santos (Menino de Engenho) e a estreia da jovem sobrinha de W. J. Solha, ninguém menos que a bela atriz Eliane Giardini.

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