Desde que Nelson Pereira dos Santos tomou posse na Academia Brasileira de Letras, os imortais passaram a conviver mais intimamente com o cinema. O assunto incorporou-se ao menu dos chás, e um cineclube semanal exibe adaptações literárias no auditório. Nada mais natural que Nelson, além de levar o cinema à ABL, levasse a ABL ao cinema.
O doc Português, a Língua do Brasil é uma coletânea de depoimentos e minipalestras dos acadêmicos sobre as delícias e os dilemas do idioma. O filme passou na semana passada, em sessão única diária às 14h, no Estação Laura Alvim. Você certamente não foi lá, mas… quem foi? Na sessão a que compareci, na antevéspera do Natal, éramos cinco pessoas na sala. A bilheteira me disse que quase todos os lugares haviam sido previamente comprados (por alguma instituição, suponho), mas que ninguém haveria de aparecer.
Sendo assim, passo a contar o filme, pois, afinal, é assinado pelo mais importante cineasta brasileiro vivo. Nele, Nelson está em casa, mas só em termos. Com exceção de duas cenas, tudo foi filmado nos interiores da ABL, um cenário que impõe certa formalidade entre escritores de terno e gravata. Nelson encena encontros com os colegas em diferentes recintos dos prédios moderno (Palácio Austregésilo de Athayde) e tradicional (Petit Trianon). Vale como tour da Academia para quem não a conhece por dentro.
No tom um tanto cerimonial das conversas, Nelson parece mais ouvir do que conversar. Sua postura sugere um certo engessamento, como um velho malandro tentando não dar vexame numa loja de louças. Fala-se da necessidade de “manter a juventude” da língua, de sua natureza de “organismo vivo” e do contraste entre a grande diversidade do português e sua unidade que facilita a comunicação. Discutem-se a importância da “norma culta” e a relação da língua oficial com os regionalismos e coloquialismos.
Pode soar como um silogismo barato, mas as falas de Nélida Piñon e Ana Maria Machado soam menos compenetradas e mais coloridas que as da maioria dos homens. Isso me fez pensar em até que ponto o paletó e a gravata enrijecem o discurso. As exceções masculinas são justamente João Ubaldo Ribeiro e Ariano Suassuna, entrevistados em suas casas, em mangas de camisa. Aí o cânone se quebra e imperam a descontração e a fala livre.
Há 45 anos, Nelson Pereira dos Santos dirigiu com os primeiros alunos da UnB o curta Fala, Brasília, um ensaio documental sobre os diversos falares reunidos na nova capital. Português, a Língua do Brasil, com seu oficialismo assumido acriticamente, não é um eco, mas um contraponto àquele vibrante filme brasiliense. O cineasta que trouxe a expressão popular para o cinema brasileiro recolhe agora as razões da expressão culta.