A fim de traçar um perfil e dimensionar a importância de Abdias Nascimento (1914-2011) para a cultura negra no Brasil, Aída Marques optou por uma abordagem próxima do filme doméstico. O político, escritor e ativista é visto em cenas cotidianas e em encontros, almoços e debates com uma série de admiradores, discípulos etc. Não há, portanto, como evitar um clima de tributo, complementado por uma entrevista memorialística que fornece o eixo básico da narrativa. Questões potencialmente polêmicas como o casamento de Abdias com uma mulher branca e sua participação no movimento integralista são apenas rapidamente mecionados. Da mesma forma, ficam sem aprofundamento afirmações retumbantes como a de que “os modernistas excluíram os negros da composição do povo brasileiro”.
O fator doméstico se manifesta também numa estética antiquada de telas divididas, um uso muito duro dos arquivos fotográficos e encenações excessivamente impostadas. Parece-me que o material se prestaria a um melhor resultado caso passasse por um trabalho de edição mais sofisticado.
A melhor situação, entre as criadas especialmente pelo documentário, é uma reunião de Abdias com representantes de várias gerações da causa negra, de Ruth de Souza e Léa Garcia a Lázaro Ramos e Marcelo Yuka. Nessa sequência, vêm à tona tensões e contradições que, de resto, o modelo de filme-homenagem deixa de considerar. Abdias foi alguém que procurou superar a inferiorização racial a partir da sua própria experiência pessoal, o que já gerou muito debate no movimento negro. Aída Marques lança uma primeira pedra nessa reconstrução que ainda fica por desenvolver.