A bela Kasia tem um rosto lindo e um corpo quase perfeito, mas quer aumentar o busto. A secretária Kamila capricha nos cuidados com a pele e a forma física, mas acha que precisa redesenhar seu nariz adunco. O jovem promotor Jakuba já mexeu no nariz e nas orelhas, mas não está satisfeito: prepara-se para engrossar os lábios e esticar a testa. A bonita e deprimida Monika quer retirar pequenas bolsas de sob os olhos. Com esses quatro personagens, o documentário polonês Desejo de Beleza (Pragnienie Piekna/Desire for Beauty), inédito no Brasil, pretende discutir a cirurgia plástica como fetiche estético contemporâneo.
O filme foi realizado em 2013 por Miguel Gaudêncio, diretor moçambicano criado em Portugal e atualmente residindo na Polônia. Seus protagonistas são pessoas muito preocupadas com a aparência, no limite do narcisismo. Desejo de Beleza os visita antes, durante (sim, em detalhes hospitalares) e depois das respectivas cirurgias. A pergunta que se faz todo o tempo é: muda a vida quando se mudam as particularidades do corpo?
O tema, obviamente, não é novo, mas este documentário procura cercá-lo por vários flancos. A atriz Agata Kulesza (a tia da freirinha no bem-sucedido Ida) faz uma espécie de âncora nas conversas com os quatro personagens centrais e estimula reflexões sobre autopercepção, auto-apreciação, recalques e superações. Em depoimentos diretos para a câmera estão uma escritora, uma modelo, um fotógrafo, uma estilista, terapeutas e até um padre, que comenta a idealização da beleza encontrada nas representações de Cristo e dos santos. Além disso, vinhetas ficcionais trazem a questão do bullying estético, origem de muitos traumas e insatisfações. A aparência, especialmente para as mulheres, tornou-se um “campo de concentração” criado pelas próprias prisioneiras, diz alguém. O botox, a plástica e recursos similares ganham, então, a função de “lifting de personalidade”, como se expressa outro entrevistado.
A vasta prática de Miguel Gaudêncio na área de videoclipes e publicidade, se o credencia para tratar do assunto beleza, também gera alguns vícios prejudiciais ao formato do documentário. A estrutura do seu filme é dispersiva e um tanto errática. Ele abusa de música New Age (até mesmo nas tomadas de cirurgias!) e quase afoga seus personagens em sequências pretensamente poéticas e oníricas. Como alguns de seus protagonistas depois da operação, Desejo de Beleza é um filme bonito, mas que ficaria melhor sem tanta preocupação com a aparência.